OBRIGAÇÕES

maio 17th, 2010 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

É obrigatório que o filme infantil clássico tenha pelo menos um urso. Assim como não há thriller sem que um caminhão baú se atravesse no caminho de um carro em fuga. Ou terror sem vampiro light, desses com caninos de silicone fazendo volume no lábio superior. Ou ainda comédia romântica que não inclua a corridinha no final, quando cai a ficha de um dos amantes. Drama, todo mundo já viu: alguém sabe como o outro se sente. Faroeste sem duelo final no meio das pedras também não se admite. E quando o gênero não se define, pode apostar: tudo acaba no tribunal.

Literatura de auto-ajuda sem a palavra você em cada frase é inadmissível. Best-seller sem escritor em crise só na próxima encarnação. Poesia que não seja de vanguarda e contenha pelo menos um trocadilho merece o anonimato. E crônica que não discuta o desafio do papel ou tela em branco é o mesmo que nada. Também não deve deixar passar trabalho acadêmico que não seja apenas citação do que já foi escrito. Ou debate que não respeite a opinião alheia enquanto todos se abaixam para pegar as ferramentas.

Há dois tipos de retorno quando você escreve sua opinião e publica. Um é a indiferença, que dura até o limite do insuportável. Outro é a bola quadrada, que devolve distorcido tudo o que é dito. Por isso tanto cuidado na hora de produzir alguma coisa. É preciso seguir os trâmites, cumprir com as obrigações para não ter problemas. Ninguém vai reclamar de um lugar comum, a não ser os implicantes.

Vi esses tempos uma seleta de clichês no cinema. Um deles é que o carro nunca pega de primeira quando o abismo se aproxima devorando tudo e só resta a família do herói numa camioneta velha. Há outros como a conversa fiada no desfecho da trama, quando o bandido perde tempo dando explicações para a vítima. Em vez de atirar, ele bate papo. Acaba dançando.

A verdade é que existem poucas soluções de narrativa. Quando vejo produções antigas, acabo descobrindo a origem de uma série de situações reproduzidas hoje. E se for mais fundo, as sementes estão no velho preto e branco mudo. Que, por sua vez, tomou emprestado dos folhetins dos séculos anteriores.

Criação é uma coisa rara e, de tanto ser repetida, acaba frustrando o espectador ou leitor. É terrível: a emoção acaba não pegando, rateia. Eu sei como você se sente.

Crônica publicada no  dia 11 de maio de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense

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