O MONSTRO SEM REDAÇÃO

maio 29th, 2005 | Por | Categoria: Redação sem Máscara        

Nei Duclós

O dito jornalista bem informado é o monstro sem redação. Ele é bem informado porque compartilha da mesa do poder, ou seja, divulga um dia antes o que todos deverão divulgar no dia seguinte. E não fica na redação porque redação, por dedução, é para jornalistas mal informados. É monstro porque não tem as costas curvadas de tanto batucar nas pretinhas. Apresenta-se sempre elegante, ereto, com o rosto de retrato em ante-sala de entidade empresarial. Possui um sorriso inteligente e um sobrolho (confirmado por rugas significativas na testa) de extrema perspicácia. Confunde lugar comum com estilo, por isso acha que sabe o que interessa e pensa ser uma das pessoas que contam. É a mutação de uma criatura que nasceu Ibrahim Sued e não chegou a Paulo Francis. Mas serve para manter as aparências de uma imprensa amarrada financeira e politicamente pela ditadura.

COLUNISMO – Um jornalista bem informado, quando é colunista de telejornais, aparece numa tela dentro da tela, numa janela dedicada aos eleitos. Não por estar em outro lugar qualquer, mas no Olimpo, de onde verte as nuances de uma realidade que sempre escapará aos mortais. Mas estes têm o privilégio de vê-lo e ouvi-lo (ele espera) com reverência. Costuma nesses momentos gargalhar o riso dos que tem certeza de tudo, pois sempre acessa uma fonte que não é a cachoeira comum dos fatos do dia.

Usa essa zona nebulosa dos acontecimentos para dela extrair o inusitado, o pitoresco, o maná, a ambrosia e o néctar que só os deuses sabem usufruir. Como não arrisca nada, ainda usa expressões como resta saber. Quando se tornam muito importantes, os jornalistas bem informados viram diretores corporativos, aliam-se a bancos, trazem anunciantes pelo cangote, amarrados em ágapes íntimos. Isso transforma o jornalista bem informado num moleque de recados de luxo. Pois no momento em que usa a chantagem para atemorizar as fontes e delas extrair o sumo, ou quando participa das reuniões onde jornalista nenhum deveria estar, por não ser esse, o poder, o ramo de qualquer jornalista, ele acaba virando presa fácil do poder que pensa decifrar.

Torna-se então o monstro sem consciência e seu trabalho toma a forma da aparência senil dos borra-botas. Enquanto isso, as redações, cheias de jornalistas mal informados, remam no mar da incompreensão e do suor, compondo um trabalho que jamais poderá chegar à altura do jornalista bem informado, sob pena de repassar para o próprio as pepitas mais cobiçadas. Isso acontece muito, pois o jornalista bem informado sempre tem alguns peões que lutam nos bastidores para conseguir o que ele exibe como se estivesse tomando um chivas.

CANETA E LÁPIS – Na economia os jornalistas bem informados apenas balbuciam as frases feitas, para talvez tornar inaudível seu imenso comprometimento com o arrocho financeiro internacional, o mesmo que expropriou o país de suas estatais, de sua moeda (o que temos é um arremedo, um passaporte para a perda do território) e de seu povo (que morre no trânsito, na violência, na falta de escola e na falta de alimentação, saúde e moradia). O impressionante é que sempre estão por cima da carne seca, travestindo seu sim indissolúvel com o poder num menear de cabeça feito de pretensos talvezes.

Na televisão, o jornalista bem informado em economia manipula a caneta ou o lápis para destacar-se entre os mortais analfabetos. Ele escreve, diz a imagem, portanto pensa, portanto escutem. Na gramática, o jornalista bem informado é o professor de inutilidades, o que substitui risco de vida por risco de morte e termina cada artigo com o mesmo bordão de quem tem a palavra final sobre o assunto.

Nos cadernos de Geral, que chamam agora de cotidiano, mas que poderiam chamar-se de qualquer coisa, o jornalista bem informado denuncia profissionalmente a miséria óbvia do país (para alavancar as ongs a quem serve ou dirige) e insurge-se contra o câncer. Na política, o jornalista bem informado ri de todos os partidos, mas presta muita atenção nos que têm a chave do cofre, contra os quais jamais fala mal.

Como o cofre muda de mãos, ele pode mudar de lado para sugerir independência, mas no fundo ele apenas está seguindo a grana. Há também o jornalista tão bem informado que vende espaço na sua coluna para plantar algumas notinhas, já que ninguém é de ferro. Por isso, quando me olham com o olhar de jornalista bem informado, eu puxo a minha Lugger. Ela está carregada.

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