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A obra dos legisladores gregos

Ao ir-se consolidando e até irradiando para fora da península onde se constituíra, a civilização helénica foi sentindo a necessidade de sistematizar-se e de fixar certos princípios essenciais numa forma permanente. Foi esta a obra dos legisladores, que tornou imortais os nomes de Licurgo e de Sólon.

Licurgo

O primeiro, personagem que alguns querem seja legendária, dotou o regime militar de Esparta do código político que lhe convinha e era indispensável para manter sob a sujeição de uma minoria qual a dos dórios invasores, que formaram a classe nobre, orgulhosamente segregada de toda mistura com a população conquistada, tanto os camponeses que se resignaram ao jugo estrangeiro e continuaram cultivando a terra em dependência, como os ilotas, habitantes da cidade que se rebelaram e foram reduzidos à pior escravidão..

A escravidão na Grécia Antiga

A escravidão foi aliás nas sociedades antigas um traço muito mais compreensivo do que nas modernas, nas quais aparece sob um aspecto econômico, personificando o escravo um elemento de trabalho, sobretudo nas colônias do Novo Mundo, ao passo que no Velho Mundo a privação de liberdade era uma punição, por assim dizer, política. O serviço doméstico era todo feito por escravos e os ofícios manuais por eles executados. Na Grécia primitiva chegavam a participar, ainda que fossem inimigos aprisionados, do culto do lar, que era afinal, como no Egito, o culto dos mortos, e em Roma os escravos gregos tiveram a importância social que se podia derivar da sua cultura individual. Foram escribas, autores dramáticos, mestres, filósofos. Em Atenas as dívidas conduziam à escravidão, sendo a abolição desta condição servil criada pelos eupátridas quando se locupletaram com os bens dos pequenos proprietários e os forçaram a viver de empréstimos, uma das benéficas reformas de Sólon.

Civilização espartana

Esparta foi, uma sociedade exclusivamente preocupada da salvação do Estado, ameaçada pela desigualdade numérica das popúlações-representando a vencedora uma minoria pequena. As liberdades pessoais eram iniciadas ao bem público. Seu governo era o de uma oligarquia eletiva, representada pelo senado dos anciões — o equivalente do areópago ateniense — composto de 28 membros, a um tempo legisladores, juízes, magistrados e administradores. Os reis, que eram sempre dois para se fiscalizarem mutuamente, exerciam funções sacerdotais, oferecendo os sacrifícios, e tinham funções decorativas, menos em tempo de guerra, quando comandavam as forças, o que não constituía uma sinecura porquanto o espírito belicoso dos espartanos os arrastava a freqüentes conflitos, em que se apoderaram da Messênia (sujeita durante quatro séculos, até ser libertada por Epaminondas), da Arcádia e da Argólida, só escapando a Acaia e a Elida à hegemonia lacedemônica do Peloponeso.

Os éforos

A natural desconfiança que aristocracias e democracias nutrem a respeito da extensão do poder dos soberanos levou em 758 a. C. à criação de uma magistratura especial de cinco éforos, encarregados de vigiar os reis como representantes da assembléia que os elegera; de segui-los nas operações militares, do mesmo modo que os comissários da Convenção francesa acompanhavam os generais, mormente os suspeitos; de julgá-los e até depô-los. Sua autoridade era portanto mais efetiva do que a real.

A sociedade lacedemônica e as leis de Licurgo

A feição mais interessante das leis de Licurgo era a que dizia respeito à formação do caráter pelos hábitos de frugalidade, de sobriedade, de labor, de paciência no sofrimento, provenientes de castigos corporais freqüentes e do desenvolvimento das faculdades com o fito único de produzirem homens aptos para a guerra. Um dos predicados que mais se exercitava, em caso de necessidade até pelo roubo, era a astúcia. Não havia entre os espartanos motivo para invejas porque, como na sociedade sonhada pelos coletivistas, as fortunas eram iguais, isto é, a terra andava igualmente repartida e não podia ser alienada. Não existindo riqueza, nem sequer moedas de ouro e prata, circulando ião-sòmente pesadas moedas de ferro, não existia ambição nem luxo. As refeições eram tomadas em pú-bliço e em comum, e doque- valiam culinariamente ficou a tradição no caldo negro , do qual participavam os reis.

À direita, Hefesto, deus do fogo e do metal. Estátua ática em bronze, séc. V a. C.
À direita, Hefesto, deus do fogo e do metal. Estátua ática em bronze, séc. V a. C.

Educação militar e cívica

O comércio, as letras_e as artes eram coisas banidas dessa comu-nidade,’ que no expressar-se adotara o laconismo e que se votava exclusivamente ao seu dever cívico de velar pela segurança da pequena pátria comum. Para este fim separavam-se as crianças do sexo masculino das famílias desde os sete anos, sendo confiadas a educadores públicos que enrijavam no frio e na fome os rapazes bem conformados, porquanto os débeis ou disformes eram lançados no abismo pouco depois de nascerem, ou decaíam da sua casta. Ambas estas interpretações têm sido dadas à tradição da sua eliminação. Os dórios de Esparta somavam uns 9 000 em tempo de Licurgo, sendo décuplo o número dos súditos e servos.

Uma vez adolescentes, começava para eles a vida da caserna, que outro nome não deve ter a vida em comum, dedicada à caça, aos exercícios ginásticos e militares, aos cantos guerreiros. As raparigas recebiam também uma educação atlética, mas à parte. Se a precisão se estendia até a linguagem, a disciplina social se revelava mesmo no respeito tributado aos velhos. Com tudo isso uma tonalidade ciosamente nativista, não sendo tolerados em Esparta os forasteiros, de medo da sua influência imoral.

Sólon

Outra bem diversa foi a orientação da obra de Sólon, o sábio que com cantos patrióticos e fingindo-se louco, para poder infringir uma proibição ditada pela covardia, inflamou o coração dos seus conterrâneos e os levou a retomarem a Ilha de Salamina, ocupada pela vizinha Mégara. Tanto Licurgo, ao que se diz, como Sólon, ao que se sabe, tinham viajado e cotejado instituições políticas, mas o segundo era ateniense, portanto mais inclinado ao cosmopolitismo de idéias.

A civilização ateniense

Atenas, a cidade de Palas Atena, tinha por padroeira esta deusa da inteligencia que os romanos crismaram em Minerva, a qual fêz ver a Sólon a ameaça que encerrava a legislação de Dracon, tão drástica para o povo. Sólon apaziguou essas incipientes iras sociais por meio de uma legislação mais clemente, sem contudo se desviar do espírito da comunidade ateniense, que era o plutocrático. Se não contentou integralmente os extremistas aristocratas ou plebeus, é porque raramente isto acontece às soluções moderadas.

Organização social de Atenas

A população foi dividida em quatro classes, de acordo com seus bens ou rendimento, sendo os cidadãos mais ricos os únicos elegíveis ao arcontado, formando os da segunda classe a cavalaria e os da terceira a infantaria, e ficando os da última classe, os tetes, ao mesmo tempo isentos de impostos e privados de exercer cargos públicos. A fortuna aumentava pois as responsabilidades. As quatro classes reunidas constituíam a Eclesia ou assembléia popular, que fazia as leis e elegia para as funções do Estado, entre elas as do Conselho dos Quatrocentos, as quais consistiam em preparar as leis depois submetidas à votação da Eclesia, as do executivo e as do areópago, tribunal tradicional que passou a possuir atribuições de suprema corte criminal e política, vigiando do alto da sua respeitabilidade, pois que nela se aposentavam os arcontes de nota, a vida pública da comunidade.

As leis de Sólon

A legislação de Sólon data de 594 a. G; a de Dracon de 624 a. C. A de Sólon, variada nos seus objetos pois que vai da instrução ao comércio, pautava-se toda pela preocupação da prosperidade material. Êle foi o Guizot do século VI antes da nossa era. Enriquecer pelo tráfico mercantil, pela agricultura e pela mineração — exploravam-se minas de prata — formava o objetivo capital do cidadão ateniense. Dois traços impediram porém essa civilização de assumir uma modalidade grosseira, que foram o senso artístico e o senso político. Independente da organização plutocrática, abriu-se em Atenas o eterno conflito que lavra no seio das sociedades progressivas, entre o espírito aristocrático e o espírito democrático.

Reação aristocrática e progresso democrático

Durante a tirania de Pisístrato subsistiu nominalmente a constituição adotada, mas logo após a expulsão de Hípias, filho de Pisístrato, os nobres pretenderam restabelecer a antiga ordem de coisas, ao que se opuseram os que na Inglaterra se chamariam os comuns, sob a direção de Clístenes, pugnando pelas reformas introduzidas por Sólon. Venceu a corrente popular e a constituição foi tornada ainda mais democrática (508 a. G), sendo conferido o direito de cidadão e portanto o sufrágio a todos os habitantes livres da Ática, inclusive forasteiros aí residentes e libertos, organizados em dez tribos, subdivididas em demes ou cidades. Desmancharam-se assim as velhas facções e parte pelo menos dos membros das novas tribos ficou domiciliada em Atenas ou perto de Atenas, conseguintemente próximo do lugar de reunião da assembléia.

O ostracismo

Já Sólon tornara os magistrados responsáveis perante o povo, que tinha faculdade para julgá-los quando procediam mal. Uma das inovações introduzidas por Clístenes foi a do ostracismo, que ampliava a intervenção popular até o ponto de pôr cobro a desavenças de políticos rivais, afastando o que era julgado prejudicial à ordem pública, banindo-o por dez anos. Como os votos eram escritos sobre conchas (ostreon), deu-se aquele nome à instituição, cuja aplicação requeria, segundo uns, 6 000 votos, segundo outros, a maioria numa reunião de não menos de 6 000 cidadãos. O processo podia dar lugar a injustiças, mas tinha sua utilidade numa democracia que atravessara bastantes contingências para livrar-se de demagogos aspirantes à tirania, ou mesmo de cidadãos dotados de uma perigosa sugestão usurpadora. As guerras médicas iam agora pôr em prova a unidade moral da Grécia — se é que alguma resultara das lutas internas em cada Estado e das rivalidades entre cidades — e particularmente o valor militar dos mercadores, oradores e artistas da Ática.

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