Curso de Filosofia – Régis Jolivet
LIVRO II
FILOSOFIA ESPECULATIVA
FILOSOFIA Cosmologia
DA
NATUREZA Psicologia
METAFÍSICA Crítica do conhecimento
COSMOLOGIA Ontologia
PRELIMINARES Teodicéia
68 1. Noção.
a) Definição. A Cosmologia (etimologicamente ciência
do mundo) constitui a primeira parte da Filosofia natural (ou filosofia da
natureza) ; tem por objeto o estudo dos corpos como tais, abstraindo,
por conseguinte, se são vivos ou não. Distingue-se das ciências físico-químicas
enquanto visa a determinar a natureza dos princípios intrínsecos dos corpos, ao passo que as ciências físico-químicas, deixando de lado as questões de
natureza ou de essências, se limitam ao estudo das aparências sensíveis dos
corpos e de suas leis empíricas.
b) A questão da vida. O estudo da vida pertence
normalmente à Psicologia, ou estudo da alma e suas operações. A vida, com
efeito, é a presença da alma, vegetativa, sensitiva ou racional. Podemos,
todavia, como se faz comumente, limitar a Psicologia ao estudo do homem e
acrescentar à Cosmologia o estudo da vida em geral.
2. Divisão. — A Cosmologia, conforme a ordem de toda a
Filosofia, parte da observação das propriedades mais gerais dos corpos, tendo
em vista definir qual a essência dos corpos, que estas propriedades
manifestam. Acrescentando a este o estudo da vida, teremos então a seguinte
divisão:
I. As propriedades
gerais dos corpos:
A. Quantidade:
1. Descontínua: o número.
2. Contínua:
Capítulo Primeiro
AS PROPRIEDADES GERAIS DOS CORPOS
(59 As
propriedades mais gerais dos corpos são, por um lado, a quantidade e
tudo o que se lhe relaciona, — e, por outro, as qualidades sensíveis.
ART. I. A QUANTIDADE
Os corpos compõem o domínio da quantidade. A primeira
questão que interessa à Cosmologia é, então, a da quantidade, considerada sob
os dois aspectos que pode revestir (50), a saber, a quantidade descontínua ou
número, e a quantidade contínua, que compreende a extensão (com os
efeitos formais desta: lugar e espaço), o movimento e o tempo.
§ 1. A QUANTIDADE DESCONTÍNUA
A. Noções de unidade e de número.
É importante distinguir desde já a unidade numérica, que está ligada à quantidade, e a unidade transcendental, que é
estranha à ordem da quantidade.
1. A unidade numérica. — A quantidade
descontínua é a que se conta, ou mede e exprime-se por um número. Esta
tem por princípio a unidade numérica. Assim, "10 ovos" é uma
quantidade medida pela unidade-ovo, "10 metros" uma quantidade medida pela unidade metro.
A unidade transcendental – A unidade
transcendental (de que teremos de falar em Metafísica geral) designa
simplesmente a propriedade que possuir o ser de ser indiviso em si mesmo.
Esta propriedade não acrescenta realmente nada ao ser.
Significa apenas uma negação, a saber, a negação da divisão; tudo o que e ser é
indiviso. Donde o axioma: o ser e o uno são convertíveis. Esta unidade
transcendental é princípio da multiplicidade, quer dizer, da coleção de
seres indivisos em si mesmos, e distintos uns dos outros, e considerados como
distintos: um homem, um cavalo,, uma pedra, um vegetal formam uma
multiplicidade ou pluralidade de seres.
B. A gênese do número.
70
O número se encontra sob formas diversas:
1. Na quantidade contínua (número contínuo) : o que
é divisível em partes da mesma natureza. As partes do contínuo são tais
que o fim de uma será ao mesmo tempo o começo da seguinte. Daí resulta a
propriedade da extensão.
2. Na quantidade descontínua (número descontínuo ou
propriamente dito) : o que é feito de unidades da mesma natureza ou de
partes atualmente separadas umas das outras ou em simples contigüidade: três
cadeiras, cem homens, as peças de uma máquina, os eixos formando um monte.
Distinguem-se o número numerado e o número numerante.
O número numerado designa as coisas múltiplas que se somam por um
número: três cadeiras, dez homens; o número numerante é o número abstrato,
ou tomando absolutamente: 2, 3, 5 etc.
§ 2. A QUANTIDADE CONTÍNUA
A. A extensão dos corpos.
71
1. Realidade da extensão. — A realidade da extensão foi negada por certos
filósofos, em particular os idealistas, que sustentam que a extensão não tem
existência real, mas é apenas uma idéia no> espírito (opinião de BERKELEY ou
uma simples maneira de sentir (opinião de KANT),
Estas opiniões interessam sobretudo à Crítica do
conhecimento. Nós apenas notaremos aqui que elas vão diretamente contra o
juízo espontâneo, natural e necessário do senso comum, que professa a
realidade objetiva da extensão: se um tal juízo fosse falso, toda certeza seria
destruída de roldão.
2. As pretensas antinomias do contínuo. — Outras
objeções contra a realidade da extensão (ou do contínuo) foram propostas, em
nome de uma análise do contínuo. Estes são os argumentos famosos de Zenão de Eléia.
a) Zenão de
Eléia entende que, se a extensão fosse real, tornaria impossível o
movimento. A extensão sendo, com efeito, composta de partes em número
infinito — pelo fato de que o contínuo é indefinidamente divisível — seria
impossível transpor qualquer espaço, uma vez que cada elemento deste espaço
seria por sua vez. composto de elementos em número infinito. Como não se pode
atravessar o infinito, seria impossível o movimento. Zenão ilustra esta. doutrina pelo exemplo de Aquiles e da tartaruga: Aquiles, o de. pés ligeiros, por mais
que corra, jamais poderá alcançar a tartaruga. De fato, o movimento é uma
ilusão, se a extensão existe; e, se o movimento existe, é a extensão que é a
ilusão.
a) Discussão. Contra esta doutrina, existe
inicialmente o fato. evidente da realidade do movimento. Além disso, o erro de Zenão é supor que as partes da
extensão são descontínuas. Na verdade, elas não são divididas realmente,
mas simplesmente divisíveis, © compõem um contínuo que um movimento,
igualmente contínuo, pode transpor.
72
3. Efeitos formais da extensão. — Da extensão dos corpo» resultam o
lugar e o espaço.
a) O lugar. O lugar é a superfície
interior de um continente em relação a um conteúdo, mas considerada como
imutável e jamais, havendo mudado. Em suma, o lugar é uma determinação fixa 8
invariável do espaço.
b) O espaço. Pode-se distinguir o espaço do
senso comum, o espaço do matemático e o espaço filosófico. Para o senso comum, o espaço aparece como um grande receptáculo de três dimensões, em
que podemos, pela imaginação, entender indefinidamente os limites. Este
receptáculo contém todo os corpos.
Para o matemático, o espaço é uma grandeza contínua homogênea, onde só existem
pontos sem dimensão, superfícies sem espessura etc.
Para o filósofo, o espaço real é o lugar universal dos corpos, a relação das
dimensões do universo com tudo o que elas envolvem. Esta definição precisa
a concepção imaginativa do senso comum e corrige a convenção matemática.
Implica, com efeito, na afirmação de que não existe espaço real sem corpo real: o espaço é, pois, inseparável dos corpos, mas não se confunde com
eles. Para encontrar o espaço real, é necessário considerar o universo nas
suas dimensões, e estas na sua relação com o que contêm. O espaço é, assim,
uma relação de dimensões.
B. O movimento.
73. 1.
Noção. — Para o senso comum, o movimento consiste na passagem de um
lugar para outro. Isto é verdade, mas não define o movimento senão
exteriormente, e só se aplica ao movimento local.
a) Elementos da definição. Para definir filosòficamente o movimento, é necessário utilizar as noções de ato e de potência, que
pertencem à Metafísica geral. Aqui, será suficiente saber que A potência é a
aptidão de um ser a tornar-se ou a receber alguma coisa (Pedro está em potência
para receber a ciência, a água fria está em potência para tornar-se vapor),
enquanto que o ato é o fato, puni um ser, de ter recebido ou de se haver
tornado esta coisa que podia receber ou tornar-se (Pedro, tendo adquirido
ciência, é sábio em ato. A água, aquecida, a 100 graus, está
quente em ato).
b) Definição. Considerado na sua essência, o
movimento se define, então, com o ato daquilo que está em potência, enquanto
estando em potência, Para compreender esta definição comecemos pela
transformação. Pedro vai iniciar o estudo do latim. Ele o podo aprender, em
virtude de sua qualidade de ser inteligente e, mais proximamente, em virtude de seus primeiros estudos de
gramática, está, claro, com potência para saber latim. Desde que o saiba, será
latinista em ato. Terá, então,
passado da potência ao ato. É esta passagem que constitui o
movimento: é um ato (ou uma sucessão de atos), uma vez que consiste na
aquisição progressiva dos elementos do latim; mas é o ato de um ser em
potência, uma vez que Pedro não é ainda latinista perfeito. Quando o for, o
movimento cessará. O movimento é, portanto, o ato de uma potência enquanto
tal, quer dizer, um ato começado, que prossegue, que não chegou ainda a seu
termo derradeiro.
2. Divisão. — A noção do movimento se aplica, não
somente ao movimento local, mas, por analogia, a toda transformação, e
não somente à ordem material, mas também à ordem espiritual (raciocinar,
meditar, são movimentos).
C. O tempo.
74 1.
Noção. — O tempo se define como o número ou a medida do movimento. Com
efeito, não se pode conceber o tempo sem O movimento, e isto resulta do fato de
que distinguimos os progressos (ou fases) do movimento enquanto se sucedem uns
aos outros. O tempo é, pois, uma espécie de número. Mas não é um número
descontínuo: é um número continuo e fluente.
Cumpre distinguir o tempo, da duração. Esta não
faz senão significar a permanência no ser, haja ou não sucessão. O tempo
supõe a sucessão. Quem suprime a sucessão suprime o tempo.
2. Os diferentes tempos. — Distinguem-se:
a) O tempo concreto ou vivido. É aquele que resulta do -movimento vivido por cada ser. O tempo pode ser mais ou
menos vivido, conforme a rapidez ou a lentidão do movimento vivido por este
ser. Durante o sono, o tempo quase desaparece, em conseqüência do relaxamento
da atividade psíquica (ou movimento psíquico). De outras vezes, desde que a
atividade é intensa, o tempo parece, ao contrário, precipitar-se.
b) O tempo abstrato. É o tempo uniforme, e
vazio que nos representamos como uma linha, ao longo da qual se situam os
acontecimentos do universo.
c) O tempo objetivo. É o tempo resultante do
movimento da Terra nobre si mesma, e que foi tomado como unidade, (um dia
de vinte e quatro horas).
Este tempo uniforme não depende de nós, se bem que, sem um espírito que numere
(ou meça) o movimento da Terra, o tempo não existiria em ato, mas apenas em
potência no movimento da Terra.
75 3. Os elementos do tempo.
a) Presente, passado, futuro. O
tempo se compõe, essência mente, de três partes: o passado, o presente, o
futuro. Só o presente existe: o passado já não é e o futuro ainda não é. Isto
prova, ainda, que o tempo, tomado na sua totalidade, não existe realmente a
não ser no espírito, que, graças à memória, conserva o passado e, pela
previsão, antecipa o porvir.
b) A duração concreta. A
duração concreta, contudo, quer dizer, o próprio ser, enquanto permanência do
ser na sucessão, realiza de alguma forma a presença simultânea do passado e do
futuro no presente. O presente do ser, que dura, é, com efeito, o passado
acumulado, e ao mesmo tempo o futuro potencial, sob a forma das virtualidades
de que está carregado.
c) O presente. O presente é
como um ponto-limite e perpetuamente movente entre o passado e o futuro. Considerado
abstratamente, não comporta nenhuma multiplicidade interna, nenhuma sucessão
de atos. Mas pode-se falar também de um presente concreto, psicológico,
que comporta uma certa sensação de multiplicidade interna: é o tempo exigido
para que a consciência apreenda como um todo sintético e único uma sucessão de
movimentos. É assim que uma frase (sucessão de palavras) é dada num presente
concreto. Na realidade, como se vê, este presente concreto, síntese de
sucessões, encerra os três elementos do tempo.
4. O tempo e a eternidade.
a) O tempo corresponde ao que muda, ao que comporta a sucessão e o vir-a-ser. — A eternidade é uma duração, quer
dizer, uma permanência de ser, sem nenhuma sucessão e, daí, sem começo
nem fim. Pode-se dizer, em outras palavras, que é um eterno presente, uma
posse perfeita e total do ser.
b) O tempo poderia não ter começo
nem fim. Deus, com efeito, teria podido criar um tal tempo. O tempo,
assim concebido, não mudaria de natureza
e não se confundiria de forma alguma com a eternidade, uma vez que não deixaria
de ser sucessão e vir-a-ser, enquanto que a eternidade, sendo posse perfeita do
ser, exclui necessariamente toda sucessão e todo vir-a-ser.
ART. II. AS QUALIDADES SENSÍVEIS
A. Noção.
75bis
1. Natureza da qualidade. — A qualidade é uma maneira de ser que afeta
as coisas em si mesmas. Seu domínio é muito mais amplo que o da quantidade,
uma vez que a qualidade se aplica ao espírito tanto quanto ao corpo, ao
contrário da quantidade, que não tem realidade a não ser no domínio corporal.
2. A objetividade das qualidades sensíveis. — Não
se trata aqui de negar a realidade empírica (ou aparente) das qualidades
sensíveis, que se impõe por si mesma. Mas certos filósofos se perguntaram se
as qualidades sensíveis têm, objetivamente falando, toda a realidade
que lhes atribuímos espontaneamente, quer dizer, se, por exemplo, a cor, o
calor, o peso etc. existem, como tais, fora de nós. Devemos aqui apenas
assinalar este problema e remetê-los para sua discussão à Psicologia, onde o
encontraremos, no estudo da sensação.
B. Divisão das qualidades.
1. Divisão acidental. — Desde Locke,
distinguem-se as qualidades primárias e as qualidades secundárias,
correspondendo respectivamente ao que os escolásticos chamavam sensíveis
comuns e sensíveis próprios. As qualidades primárias são as que se
referem à quantidade, a saber, a extensão, a figura ou a forma, o movimento e a resistência. — As qualidades secundárias são
as que são objeto de um sentido próprio: cor e luz (vista), som (audição),
sabor (paladar), odor (olfato), qualidades táteis e calor (tato) etc. Esta
divisão é feita de um ponto-de-vista acidental. Além disso, o movimento
não é, propriamente, uma qualidade, mas recai, por redução, na categoria do
lugar. Da mesma forma, a extensão, recai na quantidade.
2. Divisão
essencial. — Colocando-se do ponto-de-vista
da essência da qualidade, quer
dizer, das diversas maneiras pelas quais um sujeito pode ser modificado, obtêm-se
as quatro espécies de qualidades seguintes:
a) A disposição. Chamam-se assim
as maneiras de ser que afetam a própria natureza de um ser, seja espiritual
(o dom da música), seja corporal (saúde).
b) A potência e a impotência. São estas
qualidades que afetam o sujeito, enquanto suscetível de atividade (Pedro pode fazer sem fadiga uma longa marcha ou um
trabalho de várias horas seguidas. Paulo é incapaz disto).
c) As paixões. Sob este nome (usa-se também
o de qualidades passíveis), agrupam-se
as qualidades que resultam de uma alteração (cor, som, sabor, calor, odor etc.) ; — e as que causam
a alteração (propriedades químicas ou físicas; eletricidade, por
exemplo).
d) A figura e a forma. Designam-se assim as qualidades que determinam (ou particularizam) a quantidade de um sujeito.
C. A medida das qualidades.
A experiência nos mostra que as qualidades podem ter
graus (a água é mais ou menos quente; uma fazenda é mais ou menos vermelha; um
sabor é mais ou menos pronunciado etc.) Esta constatação nos leva a perguntar se não
seria possível medir as qualidades, quer dizer, reduzi-las de alguma forma ao
número (e por conseguinte à quantidade).
1. A
medida indireta. — Os processos usados nas ciências para medir as
qualidades (ou fenômenos) já nos são mais familiares.
Quando se consulta o termômetro, sabe-se que
as variações do calor nele se denunciam pelo movimento da. coluna,
de mercúrio no tubo graduado. Vê-se perfeitamente que se trata apenas de uma medida indireta do calor, completamente
diferente da medida de uma quantidade, que se faz por comparação com uma outra quantidade: vinte graus de calor não são a
soma de vinte vezes um grau de
calor. – Para realizar estas
medidas indiretas, as ciências recorrem,
ora à medida da massa, ora à
medida dos efeitos quantitativos (termômetro, barómetro, galvanômetro
etc), — ora à medi da das relações e das proporções, que consiste em comparar
entro si medidas de massas ou de efeitos quantitativos.
2. A medida analógica. — Era todos estes casos, a
medida dun qualidades não é evidentemente mais do que uma medida
por analogia. A qualidade, como tal, não é suscetível de medida; em
outras palavras, não é redutível a um número. Daí se segue que a diversidade qualitativa,
como tal, escapa à ciência, que apenas nos pode dar uma representação
simbólica do real.
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