Curso de Filosofia – Régis Jolivet
Capítulo Segundo
A EXTENSÃO DO CONHECIMENTO
179 O problema do
alcance do conhecimento é um problema distinto do precedente, porque o fato
certo de que somos capazes de chegar ao verdadeiro deixa subsistir a questão de
saber que verdades ou que coisas somos efetivamente suscetíveis de conhecer.
Podem-se aqui distinguir duas opiniões extremas e contrárias, que contêm cada
uma muitas variedades: uma afirma que só podemos conhecer coisas sensíveis (sensualismo
e empirismo), — a outra, que só conhecemos idéias (idealismo). Não
podemos admitir nem uma nem outra destas teorias. A doutrina que professamos (realismo) mantém-se a igual distância destas duas opiniões, fazendo justiça
inteiramente ao que existe de certo em cada uma delas.
ART. I. O SENSUALISMO E O EMPIRISMO
1. Princípios do
sensualismo. — O sensualismo (ou empirismo) tem por princípio fundamental que todas
as nossas idéias sem exceção vêm unicamente dos sentidos e, por
conseguinte, nada nos podem ensinar que não seja de ordem sensível.
Esta doutrina foi sustentada
na antigüidade grega pelos sofistas (GÓRGIAS, Protágoras) e os epicuristas (Epicuro) ; na Idade Média, por certos nominalistas (Pedro Auriol, Guilherme de Occam, Nicolau de Autricourt) ; entre os modernos, por Locke, Condillac, Hume, Stuart Mill etc. Condillac pretendeu demonstrá-la
rigorosamente ao tentar provar que todo conhecimento se reduz à sensação e às
transformações da sensação.
2. Crítica do sensualismo. — O erro do sensualismo não
está em afirmar que nossos conhecimentos têm sua fonte na experiência sensível,
o que é verdade, mas em sustentar que nada contêm que não seja de natureza
sensível. Mostramos, ao contrário (126, 127), que a razão é naturalmente
capaz de apreender nos dados sensíveis, através da abstração, os
aspectos inteligíveis do real, que os sentidos não podem distinguir e, pelo
raciocínio baseado na experiência, descobrir os princípios e as causas do
real.
Art. II. O IDEALISMO
.4. Princípio do idealismo.
180 O idealismo teve,
desde Descartes, um imenso
sucesso e foi proposto por numerosos filósofos, sob diferentes formas. Pode-se.
contudo, reduzir todas estas teorias à afirmação de um princípio comum a todas,
que se chama princípio da imanência. Este princípio consiste em dizer
que o homem não conhece direta e imediatamente a não ser seu próprio
pensamento (ou suas idéias, donde o nome de., idealismo).
B. Problema do mundo exterior.
Este problema nasce
imediatamente do princípio da imanência. Porque se não conhecemos
diretamente a não ser nossas idéias, a existência de um universo distinto do de
nosso pensamento não é mais certa e se converte num problema a resolver.
C. As formas do idealismo. Podem-se distinguir:
1. O idealismo
propriamente dito. — Sob este nome, podem-se grupar todas as doutrinas que
reduzem o universo a um sistema de idéias. Dizendo de outra forma, o
universo, por estas doutrinas, não tem realidade a não ser no espírito. Nada existe fora do espírito. Os principais filósofos que propuseram esta
doutrina
São BERKELEY, FICHTE, SCHELLING, HEGEL.
O idealismo invoca em seu favor os argumentos
seguintes:
a) A
imanência do conhecer. O princípio de imanência do conhecer é considerado
pelo idealismo como evidente. Com efeito, a
demonstração que ele se propõe a dar, e que consiste em dizer que o espírito,
para conhecer, não pode sair de si para vagar nas coisas, não tem mais do
que as aparências de uma demonstração. É uma simples petição de princípio ou um
círculo vicioso. O princípio de imanência é um puro postulado.
b) Critica das noções de substância e de matéria. Estas
duas noções (que Berkeley cometeu
o erro de identificar) não correspondem, diz Berkeley, a nada real. Com efeito, a idéia de substância ê
inconsistente. A substância, tal como a definimos, é o que sustenta os fenômenos.
Mas, de início, esta base, se existisse, seria incognoscível. Além disso, é
contraditória, porque também ela teria necessidade de uma base e assim ao
infinito. Enfim, é inútil, porque os fenômenos bastam-se a si mesmos.
Se se considera a noção de matéria, diz Berkeley, chega-se ao mesmo resultado. A matéria não é
nem isto nem aquilo, nem nada de determinado. Ela é, então, absolutamente
impensável e não corresponde a nada real.
Berkeley conclui daí que todo o real se reduz a fenômenos, os quais
nada mais são do as idéias. Ser, nesta concepção, ê perceber ou ser
percebido. O universo é real, mas é um universo de espíritos e de idéias
(donde o nome desta doutrina: imaterialismo).
181 2. O criticismo.
a) O idealismo
formal. É a doutrina exposta por Kant
na sua Crítica da Razão Pura (donde o nome de
"Criticismo"). Esta doutrina constitui um idealismo formal no
sentido de que Kant reconhecia a
existência necessária de objetos independentes do espírito, e exteriores a ele (o que não admite o idealismo propriamente dito ou material), mas
declara-os ao mesmo tempo absolutamente incognoscíveis em si mesmos.
Estes objetos não nos apareceriam, segundo Kant,
a não ser revestidos das formas a priori de nossa razão e de
nossa sensibilidade, mais ou menos come se todas, as coisas nos devessem
aparecer vermelhas e deixar-nos na ignorância absoluta de sua cor verdadeira,
como se nossa visão projetasse, por um efeito de sua estrutura, a cor
vermelha {cor a priori) sobre todos os objetos que lhe fossem dados.
b) As formas a priori do conhecimento. As formas a priori do entendimento são, segundo Kant, as
categorias de substância, de causalidade, de finalidade etc.; as
da sensibilidade são as categorias do espaço e do tempo. Se as
coisas nos aparecem como substâncias, como regidas pelas leis de causalidade e
de finalidade, se nos aparecem como situadas no espaço e no tempo, isto não
significa que sejam tais em si mesmas, mas apenas que nós as fazemos assim. Em
definitivo, o universo do conhecimento é, na sua forma, obra do espírito.
c) Argumentos do criticismo. Os argumentos de Kant
não são diversos daqueles do empirismo sensualista, que Kant toma a LOCKE e Hume. Todo conhecimento, diz ele, não pode vir senão dos sentidos e como os sentidos só conhecem objetos
singulares, sensíveis e contingentes, segue-se daí que nossas idéias, que se referem
a objetos universais, não sensíveis e necessárias (a idéia de homem, a idéia de
causa, da liberdade, os princípios primeiros etc), são puras construções de
razão e não dados objetivos.
182 3. O
idealismo cartesiano. — O idealismo de Descartes
e de Malebranche não é
mais do que um idealismo problemático, uma vez que estes dois filósofos,
partindo da hipótese idealista, que vem restabelecer em seguida a realidade do
mundo exterior. Mas permanecem verdadeiramente idealistas enquanto afirmam que
a crença na realidade do mundo exterior não recorre à percepção (uma vez que
não percebemos mais do que nossas idéias), mas, unicamente, à revelação
(direta, segundo Malebranche, indireta,
segundo Descartes) do próprio
Deus.
§ 2. Discussão
do idealismo
183 1. O
desmentido da experiência. — Que o espírito não possa sair de si para ir vagar
nas coisas, é evidente. Mas não se segue daí que nós não conheçamos mais do que
nossas idéias. Isto vai imediatamente contra o sentimento tão forte e mesmo
invencível de que temos de conhecer as coisas objetivas, exteriores
a nós, Se não podemos conhecer senão nossas idéias, não se compreenderia o que
se chamou com felicidade os choques da experiência, quer dizer, a
obrigação em que nos coloca incessantemente o contato com a natureza de
modificar nossas idéias e nossos sistemas de idéias para nela fazê-las
enquadrar (99-101). A ciência, com suas lentas e difíceis investigações (57),
não cessa de desmentir o idealismo.
2. Falsa noção da idéia e do conhecimento.
a) A idéia não é objeto, mas meio
de conhecimento. Para o idealismo a
idéia é o que é conhecido; a idéia é o objeto direto e imediato do
conhecimento. Ora, eis aí um grave erro. A idéia não é o que é primeiramente
conhecido, mas o em que e por que uma coisa é conhecida. (Não é senão por
um ato segundo, por reflexão ou retorno sobre si, que a idéia como tal pode
tornar-se objeto direto do conhecimento.) O que se conhece direta e imediatamente
é, pois, a própria coisa, mas na e por sua semelhança, ou seu substituto
mental, que é a idéia. Pela idéia e na idéia, a própria coisa está em nós
imaterialmente. Daí se segue a evidência irresistível em que ficamos de
apreender, pelo conhecimento, as realidades objetas.
b) O verdadeiro problema crítico. Compreende-se por isso que o único problema crítico
concebível consiste em saber, não se existe alguma coisa fora do pensamento (o
que não tem nenhum sentido, tanto é poderosa e embaraçosa a evidência desta existência),
mas se o que existe evidentemente fora do sujeito que conhece, quer dizer, o
universo e tudo o que ele compreende, está bem conforme — e em que medida e
sob que condições — à idéia que dele temos.
3. Objeções
idealistas. — O idealismo costuma levantar contra a doutrina que acabamos de
expor certos argumentos, que convém examinar.
a) O que é conhecido,
dizem os idealistas, deve estar no pensamento. Ora, um objeto distinto do
pensamento não estaria no pensamento. Logo, não poderia ser conhecido.
Resposta. O que é conhecido deve estar no pensamento, pois esta é
a própria definição do conhecimento. Mas não é necessário que esteja no
pensamento materialmente (como a água num vaso) :
Kant quer, portanto, ater-se a simples idealismo formal. Mas este idealismo mesmo esbarra em sérias dificuldades.
a) O criticismo kantiano vale o
que vale o empirismo sensualista que lhe serve de base. Ora, mostramos mais acima o caráter sofistico dos
argumentos sensualistas.
b)
A doutrina de Kant é, além disso, contraditória em
si mesma, uma vez que admite a realidade de objetos independentes do
sujeito que conhece (coisas em si ou números) que ela declara ao mesmo tempo
absolutamente incognoscíveis. A rigor, se as coisas em si fossem
incognoscíveis, só poderíamos estar certos da existência dos fenômenos ou
aparências, quer dizer, apenas das modificações do sujeito que conhece.
c)
A hipótese das formas a
priori é arbitrária. Kant não
concebe meio termo para um conhecimento entre provir integralmente do sensível
e ser totalmente a priori, quer dizer, ser obra subjetiva da faculdade
cognoscente. Ora, isto será o mesmo que negligenciar gratuitamente a
hipótese de uma função abstrativa do espírito, em virtude da qual este está
apto a apreender no próprio sensível realidades não sensíveis (categorias,
naturezas e substâncias, formas e essências, leis e princípios). Deste
ponto-de-vista, o que, em nosso saber, é metempírico e metafísico, seria ainda
(ou, em todo caso, poderia ser) objetivo. Kant
cai, pois, no erro de apresentar a hipótese de formas a priori como
a única solução possível do problema do conhecimento. Não apenas esta não é a
única solução possível mas nem mesmo é a mais clara e a mais conforme aos dados
da psicologia (142).
6. Conclusão. — Resulta
da discussão que o idealismo não pode propor em seu favor nenhum argumento
válido e esbarra em insuperáveis dificuldades. Por isso mesmo a verdade do
realismo se encontra indiretamente estabelecida.
ART. III. O REALISMO
186 1. Noção. —
Chama-se realismo, por oposição a idealismo, a doutrina que professa a
realidade do mundo exterior, quer dizer, de um universo realmente distinto
do sujeito que conhece.
Esta doutrina não é
objeto de demonstração. Não se demonstra a evidência. Nós mostramos a princípio
na Psicologia (103), e depois ao discutir o idealismo, que há uma
verdadeira evidência na apreensão de objetos realmente distintos do sujeito que
conhece. A refutação dos argumentos contrários deixa subsistir em toda a
sua força esta evidência fundamental.
2. A evidência realista. — Podemos, todavia, resumir os aspectos
da evidência realista.
a) O caráter
intencional do conhecimento. Evidentemente, o realismo supõe, da parte do
sujeito cognoscente, um invencível sentimento de conhecer, através de objetos
distintos de si.
Nenhum argumento chega a
reduzir este sentimento. É isto o que se chama, em termos técnicos, o caráter intencional do conhecimento: este, por sua própria natureza, tende para um
objeto distinto dele, para dele se apropriar imaterialmente.
b) O testemunho da ciência. A ciência supõe como evidência a realidade de um mundo
distinto do sujeito que conhece. Ela é uma procura paciente e minuciosa, cujos
resultados são constantemente confrontados com o real, que prevalece.
c) O acordo dos homens,entre si sobre os objetos da experiência não pode ser
explicado senão pela concepção realista. Se os objetos não fossem mais do que
idéias no entendimento, seria inconcebível que meu universo coincidisse
constantemente com o de outrem e o de outrem com o meu.
187 3. O sentido do realismo. — É
importante compreender exatamente o sentido do realismo.
a) O objeto da inteligência. Afirmando a realidade objetiva do ser e a ordenação
essencial da inteligência ao conhecimento do ser, o realismo exige, de início,
que o objeto da inteligência seja realmente a universalidade do ser. É
daí que nasce em nós o desejo de saber sempre mais, de tudo penetrar e abarcar
pelo espírito.
b) Os limites efetivos da razão humana. Observando, por outra parte, que nossa inteligência é
apenas uma inteligência humana, quer dizer, condicionada em seu
exercício por órgãos corporais, o realismo não conseguiria esquecer os
limites efetivos de nosso conhecimento, limitado por um máximo e um mínimo.
Há realidades puramente
espirituais (Deus, o espírito puro) que nossa inteligência, ordenada ao
conhecimento do mundo sensível, não pode apreender em si mesmas, mas apenas por
analogia com o sensível. É assim que pensamos o espírito por analogia com o
que há de menos grosseiro no mundo dos corpos (spiritus, ar, sopro).
Há, também, no real, tudo
o que é matéria e tudo o que depende da matéria: estas naturezas,
consideradas na sua singularidade ou individualidade concreta,
não são imediatamente acessíveis à inteligência, mas apenas à apreensão
sensível.
c) O dommio próprio
da inteligência humana. É entre estes. dois limites opostos que se
desenvolve o nosso conhecimento, coma. em seu domínio próprio. E já é um
belo campo. Inclui as naturezas-materiais abstratas e tudo o que pode
ser conhecido por elas, — o ser universal, suas leis e suas grandes
divisões, a Causa primeira do ser e os princípios da ordem moral. A isto
devemos acrescentar z nossa atividade intelectual e voluntária e, nela, a
existência do sujeito que pensa e que quer.
d) O realismo
filosófico não é um realismo ingênuo ou literal, como o do senso comum. É um
realismo crítico, quer dizer, preocupado em determinar, no real
apresentado à experiência, o que é objetivo e o que se deve à atividade do
espírito. O problema dos universais, examinado em Psicologia (142),
responde sobretudo a este cuidado crítico. Sua discussão leva a afirmar que o universo
do conhecimento não ê uma cópia do universo objetivo, mas uma construção
efetuada pela inteligência, a partir dos dados sensíveis e correspondente, sob
sua forma imaterial, às realidades da experiência.
A experiência inclui o
inteligível, a saber, as formas e as essências, objetos primeiros da
inteligência, enquanto que idéias objetivas das coisas. É este mundo de idéias
objetivas, que existe sob forma singular, que a inteligência conhece sob forma
universal (100). O universo do conhecimento é, pois, o universo real, mas
apreendido pelo espírito, segundo o modo imaterial que lhe é próprio.
e) O realismo em
face do empirismo e do idealismo. Por aí se vê como o realismo crítico se
mantém a igual distância do empirismo sensualista e do idealismo e conserva de
um e do outro o que eles apresentam de verdadeiro, sustentando, de uma parte,
que nosso saber tem sua origem nos dados sensíveis, e de outra parte, que a razão
compõe, a partir destes dados, um universo inteligível ou universo de idéias
que eqüivale às idéias (formas e essências; imanentes aos objetos da
experiência.
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