Ontologia – AS DIVISÕES DO SER – Curso de Filosofia de Jolivet

Curso de Filosofia – Régis Jolivet

Capítulo  Segundo

AS DIVISÕES DO SER

193 O ser não existe sob a forma absolutamente indeterminada
em que o considera, por abstração, a Metafísica. Apenas os seres, quer
dizer, os indivíduos, existem verdadeiramente, sendo todo o resto, não
ser absolutamente, mas maneiras de ser dos indivíduos. Ora, estes diversos
seres, indivíduos ou não, podem ser grupados por sua vez em grandes categorias
que constituem as primeiras divisões ou determinações mais gerais do ser. Estas
grandes divisões são as da substância e os diversos acidentes. Além disto, o
ser pode por sua vez se dividir, em toda a sua amplitude, em ato e potência. Como esta última divisão é mais geral ainda que a das categorias, por «Ia é
que devemos começar.

 

ART.   I.    O ATO E A
POTÊNCIA

Ê pela distinção da
essência e da existência que melhor seremos levados à divisão em potência e
ato.

1.   Essência e existência.

a) Noção. Analisando a
idéia de ser, vê-se que o ser pode ser tomado em dois sentidos. De início,
significando o ato de existir (a existência), como nestas proposições:
"César existiu realmente", ou ainda: "Pedro lê (é leitor):
nestes dois casos, trata-se de afirmar a existência de uma coisa, de César e
do ato de ler).

O ser pode ser tomado como
designando, seja o que é ou pode ser, quer dizer, o sujeito atual ou
possível da existência: é assim que, nas proposições "Pedro lê",
"o homem é racional", "o muro é branco", as palavras Pedro,
o homem, o muro
são os sujeitos nos quais existem ou podem existir a
leitura, a razão, a brancura; — seja o que uma coisa é: Pedro é homem, o muro é branco. César foi um grande capitão. Estas últimas
acepções compõem o que se chama, em sentido lato, a essência.

Tomada em seu sentido estrito, a essência é aquilo pelo qual uma coisa é o que ela é e difere de
qualquer outra (animal racional exprime a essência do homem, quer dizer,
aquilo pelo qual o homem é homem). Ê esta essência que formula a definição pelo
gênero próximo e diferença específica (14).

b)    Propriedade da
essência.
A essência, tal qual a entende mos no sentido estrito, é: o ser
necessário,
não neste sentido de que existiria necessariamente (propriedade
que não convém senão à essência divina, como se verá em Teodicéia), mas neste
sentido de que é impossível pensar uma coisa como desprovida ou privada de sua
essência, porque isto seria pensá-la a um tempo como sendo e como não sendo o
que ela é. Impossível pensar o triângulo como não tendo senão dois ângulos, ou
pensar uma pedra como dotada de inteligência; — o primeiro principio de
inteligibilidade,
enquanto que é por ela que cada ser é de princípio
inteligível (quer dizer, cognoscível pela inteligência) e que se explicam todas
as suas propriedades : é pela essência "animal racional" que se
compreende primordialmente o ser "homem" e que se compreendem as
propriedades deste  ser:  mortalidade,  sujeição à dor, capacidade de rir  etc.

Já observamos (79) que
a inteligência humana, na impossibilidade de poder apreender sempre as
essências das coisas, utiliza quer as propriedades quer mesmo a forma exterior
das coisas, como substitutos da essência.

c)    Todo ser criado é
composto de essência e de existência,
o que quer dizer que não existe em
razão do que é. Sua essência não implica a existência. Poderia então não
existir: é o que se chama, em termo técnico, um ser contingente.

Um problema célebre, que
suscita a distinção de essência e^ de existência, consiste em saber se, num ser
singular, a essência é realmente distinta da existência, quer dizer, do
ato que a faz; existente. Os filósofos tomistas sustentam a distinção real.
Ainda é necessário compreender que distinção real não significa necessariamente
separação 
nem mesmo  possibilidade de separação   (a brancura é real, e
distinta do papel no qual escrevo, mas não pode estar separada dele).

194      2.    Potência e ato.

a)         As noções de ato e de ‘potência
já estão implícitas na distinção de essência e de existência.
A essência aparece como o que pode existir, como estando
em potência para a existência, e a existência é o que confere à essência o ato
de existir, o que faz dela um ser em ato.

b)         As noções de ato e de potência também
nos são sugeridas pelo fenômeno da transformação.
Toda transformação consiste na passagem da potência ao
ato. A água se torna vapor ou gelo: ela é, então, vapor em potência e gelo em potência. Tal árvore dá tais frutos: o fruto está então na potência da árvore. Vapor e gelo
são os atos diversos da água, como o fruto é o ato da árvore. Vê-se, então, que
a potência é a aptidão a tornar-se alguma coisa. Por seu lado, o ato é, ou
o estado do ser que adquiriu ou recebeu a perfeição para a qual estava em
potência, ou o exercido de uma atividade que faz passar um ser da potência ao
ato 
(o ato, neste último sentido, se chama ação ou ato segundo)    (73).

c)     A potência é
alguma coisa de real no ser:
assim, para a água, a capacidade de se tornar
vapor ou gelo. O ser não se torna uma coisa qualquer.

3. Axiomas. — Enunciam-se
sobre o ato e a potência vários axiomas importantes.

a)         Uma coisa não ê perfeita senão
quando está em ato. Assim, a perfeição da árvore consiste em dar frutos.

b)         O ser na proporção em que está
em ato
: agir e produzir alguma coisa,
quer dizer, realizar um ato; ora, não é possível dar a não ser o que se tem.

c)         Todo ser capaz de transformação
ê composto de potência e de ato:
de
ato, porque tem presentemente um estado determinado; de potência, porque é
suscetível de receber um outro estado.

d)         A potência não pode passar a
ato a não ser sob a ação de um ser em ato,
porque o menos não dá o mais; todo efeito tem uma causa proporcionada.

ART. II?    AS CATEGORIAS

§ 1.    Noções
gerais

195 1. Definição. —
Chamam-se categorias (ou predicamentos) os gêneros supremos do ser. Estes
gêneros supremos são modos do ser e não espécies do ser, pois o ser, como vimos
(189), não é um gênero. Nós o definimos como os modos mais gerais sob os
quais o ser pode existir.

2.    Divisão. O ser é
substância ou acidente: — Chama-se substância aquilo a que convém existir em
si e em razão de si.
À substância se opõe o acidente (etimològicamente:
aquilo que sobrevém a alguma coisa), que é o que não pode existir em si,
masapenas num sujeito.

É à substância que convém
primeiramente o nome de ser. O acidente é maneira de ser antes que ser.

3.    A noção de substância. —
A noção de substância é primitiva. Ela nasce da percepção da transformação, que
obriga a distinguir, num mesmo objeto, realidades mutáveis e uma realidade permanente.
A água que se torna quente sob a ação do fogo é a mesma água que antes estava
fria. Pedro é sucessivamente alegre, triste, colérico, bem disposto e doente: ele
é sempre, sob estas diversas transformações, a mesma pessoa. Este velho é o
mesmo indivíduo que a criança que foi noutro tempo. A realidade permanente é
a substância. A reflexão permite precisar esta noção da substância, levando a
compreender que a substância é, mais fundamentalmente ainda, o que está apto a
existir em si (e não num sujeito que a receberá) e por si, quer
dizer, em razão do que é.

A propriedade essencial da substância
é então a de existir por si e em si
e não num sujeito. O acidente é o que
não existe a não ser num sujeito já existente: a virtude não pode existir senão
num ser racional; a brancura não pode existir senão numa coisa material etc.

4.    Os acidentes. — Há
tantos modos de ser acidentais (ou acidentes) quantas maneiras diversas de
atribuir um predicado a
um sujeito. Ora, diz-se de um sujeito:

1.° — Ele é branco, preto, —
hábil, feliz, alegre, caridoso etc: qualidade

2.° — Ele é grande, pequeno: quantidade.

3.° — Ele está próximo,
afastado, — pai, filho etc: relação

 4.° — Ele bate, guia, fala etc: ação.

 5.° — Ele apanha, é guiado etc: paixão

. 6.° — Ele está em Paris, Roma etc: lugar.

 7.° — Ele está de pé, deitado, sentado etc: situação.

 8.° — Ele nasceu em 1900; Roma foi tomada por Alarico
em 410: tempo.

9.° — Ele está vestido, 
armado etc:  hábito.

Tais são, com a
substância, as dez categorias (ou predicamentos) distinguidos
por Aristóteles. É contudo uma
questão saber se cada um destes modos de ser constitui uma realidade acidental
especial, ou se alguns não são mais do que aspectos diferentes de uma mesma
realidade ou comportamentos puramente extrínsecos. As opiniões se dividem.

§ 2.    A relação

195 bis         Já
estudamos,   em  Cosmologia, vários acidentes, a saber a quantidade, o lugar, o
tempo e a qualidade. Por outro lado, não é preciso insistir sobre a situação e
o hábito. Ficam então, de uma parte, a ação e a paixão, que serão estudadas com
a causalidade, e, de outra parte, a relação, que vamos agora estudar.

1.       
Noção. — A relação é aquilo
pelo qual um sujeito se relaciona a um termo.
Tais são, por exemplo, a
igualdade, a semelhança, a causalidade, que resultam respectivamente da
quantidade, da qualidade e da ação, e se acrescentam a elas como outras tantas
determinações acidentais. As outras categorias (tempo, lugar etc) são ao
contrário efeitos da relação.

2.       
Análise. — A relação comporta três
elementos essenciais: um sujeito, a saber, aquilo que está em relação a
outra coisa e a que se atribui a relação: assim, o pai, sujeito da relação de
paternidade; — um termo, quer dizer, aquilo a que o sujeito está em
relação: assim, o filho em relação ao pai, ou o pai em relação ao filho; — fundamento da relação, quer dizer, uma causa ou uma razão em viirtude da qual o
sujeito se relaciona a seu termo: assim, a luz ê o que condiciona a relação do
olho com o objeto visto.

O sujeito e o termo da relação tomados
juntos constituem os dois termos da relação e são ditos correlativos, quando
a relação é mútua  (assim a do pai e do filho, termos cor relativos).

3.    Propriedades. —
As principais propriedades da relação
são as seguintes:

a)         Não existe mais e menos nas
relações.
As relações não podem
aumentar ou diminuir por si mesmas; uma coisa, por exemplo, é igual ou
desigual, semelhante ou dessemelhante em relação a uma outra.

b)         As relações são recíprocas. Pode-se, então, trocá-las, e dizer, por exemplo:
"o pai do filho" e "o filho do pai", "o quadro deste
pintor" e o "pintor deste quadro", "a visão deste
objeto" e "o objeto desta visão".

c)         Os correlativos são
simultâneos.
Os correlativos são
necessariamente dados juntos e jamais separadamente: não existe pai sem filho,
nem filho sem pai. — Por isto mesmo, os correlativos são conhecidos
simultaneamente,  e se definem mutuamente.

4.    Divisão. —
Divide-se a relação ova do ponto-de-vista de seu fundamento (divisão
essencial), ora do ponto-de-vista dos termos  (divisão acidental).

a)     Ponto-de-vista
do fundamento.
Distinguem-se aqui as relações de igualdade, que
nascem da quantidade; — as relações de causalidade, que resultam da
ação; — as relações de semelhanças,que resultam da qualidade ou da forma.

Podem-se distinguir ainda a relação
real,
que existe independentemente do espírito; tais são as relações das
causas com seus efeitos, — e a relação lógica, que resulta de uma
operação do espírito: tais são a relação de uma coisa consigo mesma, do
presente, com o futuro, do ser e do nada.

b)  Ponto-de-vista dos
termos.
Deste ponto-de-vista, distinguem-se dois tipos de relação: a relação
mútua, quando os doistermos não podem ser dados, como tais, a não ser
simultaneamente
: é  assim  que  não  existe paternidade  sem filiação   e  
inversamente: — a relação não-mútua, quando os dois termos não são correlativos: um é relativo, o outro é absoluto (não-relativo) — tal é a relação
existente entre a criatura e Deus ou ainda entre a ciência e seu objeto. Neste
caso, a relação do termo absoluto (Deus, objeto da ciência) ao termo relativo
(a criatura, a ciência) não é mais do que uma relação lógica.

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