Psicologia, o sujeito psicológico – Curso de Filosofia de Jolivet

Curso de Filosofia – Régis Jolivet

TERCEIRA   PARTE

O SUJEITO PSICOLÓGICO

152 Até agora, temos estudado apenas
fenômenos, propriedades, qualidades ou atividades diversas. Devemos agora
considerar o su­jeito destes fenômenos psicológicos. Porque é evidente
que todos eles supõem um sujeito, de que procedem, e que manifestam empiricamente:
a bem dizer, a imaginação ou os instintos, a inteligência ou a vontade, são
apenas instrumentos ou meios pelos quais um su­jeito, homem ou animal, age de
conformidade com sua natureza..
Não é a inteligência que pensa, nem a
vontade que quer, mas o ho­mem, que pensa pela inteligência e quer pela
vontade.

Somos levados, assim, a considerar o
sujeito da vida psicoló­gica. Este sujeito nos é dado inicialmente como um eu
físico e moral (sujeito empírico), que é constituído, objetivamente, pelo
conjunto dos fenômenos orgânicos, fisiológicos e psicológicos que eu apre­endo
como meus, — e, subjetivamente, pela consciência de existir como
princípio e sujeito destes fenômenos, quer dizer, pela própria consciência de
que eles são meus. Por isto, o "eu-objeto", no ho­mem, se
torna um "eu-sujeito". — Mas a Psicologia não poderia restringir-se à
descrição deste eu-objeto empírico e de suas con­dições. Resta saber qual é a natureza deste sujeito e qual a sua re­lação com os mecanismos orgânicos e
fisiológicos pelos quais ele exerce suas atividades. Trata-se, portanto, de
definir o sujeito meta­físico da vida psicológica, isto é, a alma
humana.

 

Capítulo Primeiro

O SUJEITO EMPÍRICO

ART.    I.    O "EU-OBJETO" E O
"EU-SUJEITO"

§ 1.   Análise
descritiva

153 1. Distinção do
"eu-objeto" e do "eu-sujeito" — Esta distin­ção, que a
Psicologia simplesmente elabora, é fornecida pelo senso comum (e pela gramática,
que é a sua expressão). Quando dizemos: "Eu me tornei diferente do que
era", opomos um "eu-sujeito", que não mudou, a um
"eu-objeto", que sofreu uma certa evolução. O "eu-objeto"
deve, então, ser definido psicologicamente como o con­junto de conteúdos da
consciência:
funções, idéias, imagens, senti­mentos, percepções,
tendências, emoções, lembranças etc. O "eu-sujeito" é o sujeito ao
qual atribuímos todas as modificações do "eu-objeto".

2. Caracteres do
"eu-sujeito". — Estes caracteres devem ser apontados cuidadosamente,
pois veremos que conclusões tiraremos disto, do ponto-de-vista da natureza da
alma. São estas:

a)          A unidade. Nossa vida interior pode estar e está, de fato, em
perpétuo movimento, e em perpétua transformação. Todos os seus estados, contudo,
extraordinariamente móveis e fugidios, vêm unificar-se no
"eu-sujeito", que é seu centro de convergência, e o sinal mais claro
da personalidade.

b)          A identidade. Quaisquer que sejam ainda as transforma­ções
constantes de nossa vida interior, de nosso "eu-objeto",
sentir-nos-emos sempre idênticos a nós mesmos, e, da infância à ve­lhice,
sempre "o mesmo", o que quer dizer que é ao mesmo
"eu-sujeito", invariável de qualquer forma, em meio ao fluxo móvel de
nossa vida psíquica, que atribuímos todos os nossos estados de cons­ciência.

c) A atividade. O
"eu-sujeito" nos aparece, por outro lado, como a fonte de todos os
nossos estados interiores. É dele que sen­timos brotar nossos pensamentos,
nossas vontades, nossas ações, da mesma forma que é neste invencível sentimento
que apóiamos a nossa idéia de responsabilidade, enquanto que, ao tornar-se a
ati­vidade automática e inconsciente, o sentimento do "eu-sujeito" se
atenua até o ponto de tão-somente significar uma consciência con­fusa de
espontaneidade vital. Por isso é na atividade voluntária que culmina o
sentimento de autonomia e de responsabilidade, sinal de­cisivo da
personalidade.

3. A pessoa humana. — ü "eu-sujeito" significa,
então, a posse do eu-objeto por si mesmo. Este, de simples objeto
experimentado e sentido, que deve ser, para a consciência sensível do animal,
se torna, no homem, e cada vez mais, à medida que ele se possui mais pela razão
e pela vontade, um "de si" e um "por si", quer dizer, uma pessoa, com os caracteres de unidade e de identidade, de razão e de autonomia, que
a definem.

154 4. A síntese psíquica. — Na medida em que a vontade do­mina o curso da vida psicológica, esta se
apresenta cada vez mais como um todo unificado. Esta síntese, que é
unicamente pré-formada no organismo físico, é então uma conquista sobre a
anarquia natural das tendências, conquistas decorrente do jogo de fatores,
psicológicos e sociais.

a)         Fatores orgânicos. É a unidade
funcional do sistema ner­voso que fornece a primeira base à unidade da
consciência.
Mas é claro que não se
trata aqui mais do que de uma condição da perso­nalidade. Por mais
importante que sejam (sabe-se a que ponto as lesões orgânicas, as secreções
internas e o estado físico geral influem no sistema afetivo e mental), os
fatores orgânicos não podem ex­plicar a autonomia do sujeito psicológico.

b)         Fatores psicológicos. Psicologicamente, a personalidade é uma síntese de
todas as funções psíquicas; ela é uma espécie de organismo imaterial,
controlado e dirigido pela razão, unificada no tempo pela memória, e
cuja autonomia é obra da vontade livre.

Se a personalidade não
se apresenta como um todo desde a origem, não ê apenas porque suas condições
orgânicas não este­jam ainda plenamente realizadas, mas também porque é de sua
natureza ser uma conquista progressiva. A experiência nos mostra
satisfatoriamente por quais vicissitudes passa esta difícil conquista, de
resto, jamais completada, sempre mais ou menos ameaçada de uma diminuição do
domínio que a vontade exerce sobre os impul­sos irracionais do instinto.

c) Fatores sociais. Durkheim e os sociólogos atribuíram à
influência da sociedade o papel essencial na formação da persona­lidade. Para
eles, a pessoa é um produto da sociedade. Mas este ponto-de-vista é errado. É
certo que o fator social tem vm papel importante mo desenvolvimento da
personalidade; mas não o cons­titui,
A sociedade nos ajuda grandemente a
dominar e ordenar os elementos psicológicos, favorece a conservação da
identidade pes­soal, que toda a vida social supõe e exige, mas não representa
aqui, apesar de tudo, o papel principal. Este pertence ao progresso da razão e
ao domínio de si, que a sociedade favorece, mas não pro­duz, — o que equivale a
dizer que a síntese psíquica não é construída do exterior, mas do interior.

§ 2.   As teorias
da personalidade

155 Passaremos agora
a estudar os caracteres que definem o "eu-sujeito", ou seja, a
personalidade. Encontraremos duas espécies de teorias. Umas, ditas fenomenistas, querem explicar a personalidade unicamente pelos fenômenos que constituem o
"eu-objeto." As ou­tras, ditas substancialistas, afirmam que a
personalidade não pode explicar-se senão por um sujeito de atribuição de todos
estes fe­nômenos.

1. As teorias fenomenistas. —
Estas teorias foram defendi­das, no século XVIII, por Locke, Condillac, Berkeley, Hume e Kant, e, no século XIX, por Taine.

a) Argumentos
fenomenistas.
Estes argumentos consistem, de uma parte, em criticar a idéia
de substância, reduzida a um subs­trato inerte e imutável, — e, de outra parte,
em tentar explicar a experiência do "eu-sujeito", ora pela associação
(a substancialidade do
"eu-objeto" resultaria finalmente, segundo Hume, da memória), ora por uma função de apercepção que,
segundo Kant. reuniria sob o
mesmo conceito (o do "eu-sujeito") os estados diversos e múlti­plos
da consciência.

b) Discussão. Nenhum
destes argumentos é válido. De uma. parte, a idéia de sujeito ou de substância
não pode reduzir-se à de um substrato inerte subjacente à transformação. Na
realidade, o sujeito não compõe, com suas qualidades, 7iiais do que um único
ser concreto, se bem que o sujeito se transforme, constantemente, con­forme o
curso dos fenômenos que nele interferem.
A permanência não pertence senão à
sua essência, e não à sua realidade concreta. — Pelo contrário, o eu-coleção de
HUME ou o eu-série de Taine são
totalmente ininteligíveis: jamais se chegará a explicar, assim, a ex­periência
do "eu-sujeito", quer dizer, a experiência de um ser que se conhece
como uma unidade idêntica a si mesma, através da du­ração.

Do outro lado, KAnt nada explica além disto, afirmando que os estados de
consciência tomam a forma do "eu-sujeito" porque são percebidos como
constituindo uma unidade, que ele chama "unidade formal". Como já é
necessário um sujeito para esta percepção, se­gue-se que é o sujeito que
explica o que deveria explicá-lo.
O argu­mento de Kant é, pois, uma petição de princípio, pura e simples­mente.

2. O ponto-de-vista
suhstancialista. — Não há outra expli­cação possível da experiência e dos
caracteres do "eu-sujeito" a não ser por um sujeito substancial.

a)     O fundamento
da unidade e da identidade do "eu-objeto".
A unidade e a
identidade do "eu-objeto" só se compreendem pela realidade de um
sujeito individual, que, a um tempo, esteja subme­tido à transformação e
permaneça transformando-se.

A autonomia do
"eu-sujeito", por seu turno, encontra na indi­vidualidade sua
condição necessária (mas não suficiente), porque apenas um indivíduo (e
não uma colônia, ou uma série) pode ser uma pessoa, isto é, um ser
inteligente e livre senhor de si.

b)     A intuição do eu. O
sujeito que somos é, para nós, uma verdadeira experiência. Existe uma
intuição do eu-sujeito que é coexistência a toda a nossa vida psicológica.
Esta
consciência de si é habitual: para que se torne atual, é
necessário um ato de reflexão sobre si. Mas mesmo quando ela é atual, o sujeito
não se apreende jamais o, não ser nos seus atos e por seus atos,
— e além
disto esta intuição de si não nos revela imediatamente a natureza do
sujeito que somos. Para conhecer esta natureza, é necessário usar o racio­cínio,
a partir da experiência psicológica que nos dá, sem justifi­cá-la
metafisicamente, a realidade a um tempo complexa e una de um eu físico e
psíquico.

Art. II.    O CARÁTER

156    1.    Noção de  caráter.

a)          Caráter e personalidade. A palavra caráter, do ponto-de-vista moral, é mais ou
menos sinônima de personalidade: é o que nos distingue moralmente dos
outros, o que nos dá nossa fisionomia própria. Neste sentido, cada um tem o seu
caráter.

b)          Caráter e vontade. Isto, porém, não significa que em cada qual exista
"caráter". Ter caráter significa não tanto possuir um conjunto
de qualidades (ou de defeitos), pelos quais nós nos dis­tinguimos dos outros,
mas ser dotado de uma vontade firme e constante.

O problema da educação moral
consiste, então, em agir sobre o caráter a fim de dar ou adquirir um
caráter.

2. Os elementos do
caráter. — Pode-se determinar um ca­ráter segundo seus elementos fisiológicos e
psicológicos.

a) Elementos fisiológicos. Estes
elementos compõem o tem­peramento ou "personalidade fisiológica".
Os antigos distinguiam quatro temperamentos fundamentais: linfático,
sangüíneo, bilioso e nervoso.
Divisão evidentemente muito restrita para
aplicar-se, tal qual, ao real: de fato, a personalidade fisiológica participa
dos di­versos temperamentos e, além disto, a base desta divisão parece muito
arbitrária.

Qualquer que ele seja, na base
do caráter há sempre um certo complexo fisiológico, que o educador não deve
negligenciar, e, muitas vezes, a formação do caráter deverá começar por um
tratamento médico.

b) Elementos
psicológicos.
Estes elementos podem ser dosa­dos conforme a predominância
de uma ou de outra de nossas fa­culdades.

A sensibilidade é o
elemento mais característico; o que mais nos individualiza são nossos gostos,
nossas inclinações, nossa emo­tividade, nossos impulsos. É o conjunto de tudo
isto que se designa pelo nome de natural, e de que se diz:

"Chassez le naturel, il revient au galop." ("Afastai o natural, ele voltará a galope.")

A inteligência exerce apenas um papel muito restrito no dis­cernimento
do caráter. Ela é, com efeito, alguma coisa de impes­soal. Sem dúvida, é
necessário reconhecer diversos tipos de inte­ligências: inteligências
abstratas, inteligências concretas etc, donde resultam tendências e gostos que
nos diferenciam uns dos outros. Mas, ao lado do "natural", estas
diferenças não são muito sensíveis, e são, de fato, geralmente negligenciadas.

A vontade, esta, exerce um papel considerável, porque é ela,
afinal de contas, que faz a personalidade de cada um de nós. Isto é tão
verdadeiro que a linguagem corrente chega a definir o ca­ráter pela vontade,
falando de "homens de caráter", quer dizer, homens que sabem ser em
tudo eles mesmos, e cujos atos levam a sua marca própria.

Assim o caráter poderá
definir-se pelas tendências instintivas, pela natureza da inteligência e pelo
grau de vontade.

3.    Pode-se formar o caráter?

a)          Teoria da imutabilidade do
caráter.
Diversos psicólogos supunham
que o caráter é imutável, e o senso comum parece dar-lhes razão. Este repete
como La FontainE: "Afastai o natural, ele voltará
a galope", e diz-se comumente de uma pessoa: "Ele é como é, e ninguém
o transformará."

b)          O caráter pode ser modificado e
corrigido.
Nesta maté­ria, as teorias
não significam grande coisa. Os fatos falam mais alto e nos mostram com
evidência que o caráter pode ser modifi­cado pela educação ou pela vontade
pessoal. Além disto, isto res­salta claramente da análise que fizemos dos
elementos do caráter.

Por outro lado, o temperamento, que está na base do caráter, pode sofrer a influência de um tratamento
apropriado.  
Uma  higiene metódica pode diminuir o nervosismo do nervoso,
e pode acal­mar a impulsividade do sangüíneo, e, além disso, o temperamento
varia mais ou menos profundamente conforme a idade, a profis­são, o clima etc…
Tudo isto prova que o temperamento não é imutável.

Mas, por outro lado, e
sobretudo, podemos agir sobre cada um dos elementos do caráter, sobre a
sensibilidade, sobre a inte­ligência, sobre a vontade, e todas as regras
práticas que fomos levados a formular, tanto a propósito das faculdades de
conheci­mento, quanto das faculdades de ação, não são mais do que meios de
formar ou de transformar nossas faculdades e, portanto, o cará­ter que seu
conjunto compõe.

Pode-se, pois, agir sobre o
caráter de outro, e cada um pode agir sobre seu próprio caráter.

4. Como dar caráter? —
Dissemos que o que faz o homem de caráter é a aliança de convicções fortes e
vontade firme. Logo, preparar-nos-emos para tornar-nos "um caráter"
adquirindo bons princípios de ação e uma vontade enérgica, Mas, neste caso, for­mar
um caráter não constituirá, propriamente, uma tarefa espe­cial: é o próprio
conjunto da educação, formação intelectual e for­mação moral, que deverá
contribuir para isto, e esta não estará verdadeiramente terminada senão quando
se estiver bem armado de princípios sólidos e de energia lúcida para afrontar
corajosa­mente as lutas da vida.

Art.    III.    A CONSCIÊNCIA

157 O estudo do eu e
da personalidade nos introduz naturalmente no estudo da consciência, pois o
"eu-objeto" e o "eu-sujeito" são consciência de si mesmo,
como sujeito e princípio da vida psico­lógica. Os problemas que surgem por esta
capacidade de se conhe­cer a si mesmo referem-se a sua natureza, suas formas e
seus graus.

§ 1.   Natureza
da consciência

1. Definição. — A consciência psicológica é a função
pela qual conhecemos nossa vida interior,
isto é, nossos diversos estados
psicológicos, na mesma medida em que se desenvolvem em nós. Esta função recebe muitas vezes o nome de consciência subjetiva, por oposição à consciência
objetiva,
que é o conjunto de nossos es­tados psíquicos.

2.    Caracteres. — Os dados da consciência são:

a)        Imediatos e intuitivos, porque, graças à consciência, não. há intermediário
entre aquele que percebe e o que é percebido. A consciência realiza,
propriamente, a identidade do sujeito e do objeto.

b)        Certos, porque a própria ausência de intermediário entre
aquele que percebe e o que é percebido torna impossível qualquer deformação dos
dados da percepção. Assim, se é possível duvidar, por exemplo, da veracidade de
minha sensação de vermelho, é para mim impossível duvidar da própria sensação,
enquanto simples es­tado de consciência.

c)        Pessoais e impenetráveis, porque não podem ser apreen­didos senão por aquele que
os experimenta.

í

3.    Objeto.

a)         Tudo aquilo que pertence à
experiência interna,
quer di­zer, o eu-objeto, com toda a diversidade de seus estados: idéias, sentimentos,  imagens,
vontades, tendências etc.

b)         Nada do que pertence à
experiência externa,
quer dizer, nada
ue nos venha de fora, compreendendo neste exterior até o nosso próprio corpo.
Dizemos com razão, é verdade, que temos consciência do calor ou do frio. Mas
isto não é mais do que uma forma de expressão. Na realidade, temos consciência
é de sentir calor ou frio ou, mais exatamente ainda, de ter calor ou
frio.

§ 2. Formas da consciência

158       A consciência pode ser espontânea ou
refletida.

1. A consciência espontânea. — Chama-se espontânea a cons­ciência  
que   acompanha   todos   os   estados   propriamente   psicológicos, e sem a
qual todos estes estados permaneceriam estranhos para nós, como os fenômenos da
vida vegetativa.

2. A consciência refletida. — A consciência refletida
consiste em voltar deliberadamente aos estados psíquicos a fim de observá-los.
Ela não é possível evidentemente a não ser pela consciência espontânea, ou pela
memória, que faz reviver os estados passados. Este desdobramento, que ela
realiza, é privilégio do ser inteligente. Apenas pode voltar aos seus
próprios estados para observá-los e, por isto mesmo, escapar ao determinismo
das representações, e to­mar posse de si.

§   3.     OS GRAUS DA
CONSCIÊNCIA

A.    O problema do inconsciente.

Surgiu uma dúvida sobre
se a consciência se estendia realmente a todos os fatos psíquicos, isto é, se
não existiam fatos psicológicos inconscientes, não percebidos, no
momento em que se produziam, pelo próprio sujeito.

1.    Noções do
inconsciente e do subconsciente. — Para resol­ver o problema, convém começar
por fazer uma distinção impor­tante, ordinariamente negligenciada. O termo inconsciente pode, com efeito, ser tomado quer no sentido estrito, quer no sentido lato.

No sentido estrito, designa
uma realidade psicológica, que es­capa completamente ao sujeito no qual
esta realidade existe. É o inconsciente absoluto.

No sentido lato, inconsciente
não significa mais do que uma consciência diminuída e mais ou menos
fraca, mas não igual a zero. É o inconsciente relativo, ou subconsciente.
Para suprimir qual­quer equívoco, empregaremos a palavra
"inconsciente" para signi­ficar o inconsciente relativo.

2.         Natureza do inconsciente psicológico. —
Houve quem qui­sesse, por vezes, resolver a priori o problema do
inconsciente, di­zendo que um fato de consciência inconsciente seria uma
coisa contraditória
e que então não existe inconsciente psicológico. Mas
este é um puro jogo de palavras. Quando se fala de "inconsciente
psicológico" não se quer evidentemente dizer que existem fatos incons­cientes
que seriam conscientes (o que é absurdo), mas que podem existir fatos internos
e subjetivos (ou fatos na consciência) que escapam ao sujeito no qual se
produzem.

B.    Existem fatos psicológicos inconscientes?

159 Eis aí uma questão
de fato. Ora, não parece que se possa provar a realidade de tais fatos
psicológicos. Os argumentos que se apresentam são inoperantes.

1.      
A noção dos fatos psicológicos. —
Cumpre inicialmente notar que o problema se refere aos fatos psicológicos, quer
dizer, a atos, e atos psicológicos. Portanto, quando se alega,
como pro­va do inconsciente psicológico, a existência de estados psicológicos,
ou de virimulidadcs psíquicas (como nas disposições morais), — ou ainda
quando se cita, com o mesmo propósito, fatos fisiológicos (como os
processos cerebrais, a circulação do sangue etc), foge-se completamente do
problema. Estas realidades internas são de fato inconscientes, mas não são atos
psicológicos. Trata-se de saber se existem, por exemplo, juízos ou raciocínios
inconscientes.

2.      
Argumentos em favor dos fatos
inconscientes. — Exami­nemos brevemente os diversos argumentos propostos em favor
dos fatos psicológicos inconscientes:

a)    Argumento das
pequenas percepções.
É o argumento de Leibniz.
O ruído do mar é feito de uma infinidade de ruídos, de que não
temos nenhuma percepção consciente, se bem que o perce­bamos realmente,
pois que percebemos o ruído total, soma de todos os ruídos singulares.

Este argumento não é válido,
porque pode-se supor que as im­pressões múltiplas causadas pelos diferentes
ruídos nascem de uma única impressão global no órgão da audição.

b)    Argumentação
do hábito.
O hábito, como se diz, está na base do inconsciente. Nós não
sentimos o atrito de nossas vestes sobre o corpo; lemos sem ter consciência das
palavras e das letras como sinais; não percebemos, no nosso quarto, o
tiquetaque do relógio, nem na rua os ruídos múltiplos que se produzem ao redor de
nós.

Na verdade todos estes
fatos provam a realidade de um in­consciente relativo ou subconsciente A
consciência que temos do peso ou do atrito de nossas vestes, das palavras como
sinais, dos ruídos da rua, é uma consciência extremamente fraca, mas não igual
a zero.

c) Argumento da invenção. Citam-se
aqui os casos tão nume­rosos em que um sábio vê surgir de uma vez ante seu
espírito a solução completamente inesperada de um problema, já longamente
estudado, mas abandonado após longo tempo por questões comple­tamente diversas.
(Igual observação, mais freqüente ainda, na criação artística.) Julga-se por
necessário que o trabalho de pes­quisa ou de invenção se tenha processado à
revelia do sábio, na sua própria consciência.

Esta conclusão, contudo,
parece duvidosa. Não será mais simples admitir que como todos os elementos
necessários foram fornecidos pelo trabalho anterior, a solução venha a ser
encontrada instantânea e inopinadamente, sob a influência de certas condi­ções
externas (repouso intelectual e físico), ou de certos fatos em relação mais ou
menos próxima com o problema científico ou artístico já abandonado, e que
liberta de uma vez, numa espécie de automatismo, a solução? Pode-se, de resto,
supor, fora desta alternativa, uma espécie de maturação, evidentemente
inconsciente, mas que nada tem de comum com uma atividade propriamente
psicológica.

3. O subconsciente. — Na
realidade, os exemplos que se apre­sentam provam apenas a existência de fatos
subconscientes, mas não de fatos inconscientes. O domínio do subconsciente 6
muito extenso.
Existe, em torno de nossa consciência clara, toda uma gama
de percepções secretas, que vão diminuindo cada vez mais sem chegar ao zero
psicológico. A atenção é suficiente para con­duzi-las ao centro da consciência,
o que seria impossível se se tra­tasse de um verdadeiro inconsciente.

C.    O domínio do inconsciente.

1. A realidade do
inconsciente. — O que acabamos de dizer
não visa senão a eliminar a noção mítica de fatos ‘psicológicos inconscientes,
mas não a realidade de um inconsciente psicológico.

Existe, abaixo da consciência, um campo extremamente
extenso: é o domínio dos estados e das virtualidades: disposições,
tendên­cias, inclinações, lembranças, que compõem o fundo de nosso ca­ráter e o
tesouro de nossa memória. Estes estados e estas virtua­lidades são, por
definição, inconscientes, uma vez que apenas são possibilidades de atos e
não atos propriamente ditos. As próprias lembranças não subsistem, no
inconsciente, a não ser sob a forma de virtualidades.

2. O papel do inconsciente. —
Seu papel é imenso, porque o inconsciente psicológico é como Qpe a fonte
profunda de onde procedem nossas atividades conscientes,
o terreno de que
elas tiram suas substâncias. Este papel foi posto em evidência sobretudo pela psicanálise (análise da consciência), cuja finalidade é revelar, pelos atos
descontrolados (lapsos, sonhos etc), a natureza moral e as tendências obscuras
do sujeito.

§   4.     DO CONHECIMENTO DE  SI

160 Sócrates dizia que o princípio da Moral
estava em conhecer-se a si mesmo. E, de fato, se se pretende agir eficazmente
sobre si, corrigir seus defeitos, subjugar suas paixões, conhecer suas apti­dões,
a fim de colher o máximo proveito, é necessário começar por observar atenta e
metòdicamente a si mesmo. É necessário estudar o "eu-objeto" a fim de
retificar ou fortalecer o "eu-sujeito".

1. É necessário estudar
o "eu-objeto", quer dizer, é necessá­rio, para a consciência
refletida, ter uma noção clara e precisa daquilo que nós somos. É o que os
mestres da vida espiritual sem­pre recomendaram com insistência sob o nome de exame
de cons­ciência.
A consciência espontânea nos informa corretamente sobre
nossos estados interiores, mas não de uma maneira suficientemen­te clara: ela
coincide com estes próprios estados. Para bem conhe­cer-nos, é necessário
tornar-nos deliberadamente a nós mesmos como assunto de estudo, e utilizar para
tanto, pelo emprego inte­ligente do método psicanalítico, os atos
descontrolados que reali­zamos. Inclinamo-nos muitas vezes a não dar nenhuma
atenção a certos atos ou gestos, sob pretexto de que "nos escaparam".
Ora, estas atividades não controladas têm, ao contrário, grande importância
para aperfeiçoar nosso conhecimento de nós mesmos, reve-lando-nos o que somos
profundamente, nas nossas tendências e inclinações fundamentais.

2. É necessário corrigir e
fortalecer o "eu-objeto", quer di­zer, tornarmo-nos cada vez mais
senhores de nós mesmos, domi­narmos, pela vontade, a corrente de nossos estados
interiores, e afirmar-nos assim, conforme a palavra tão expressiva de Aristó­teles, como "pais de nossos
atos". Podemos realmente viver mais ou menos como estranhos a nós
próprios, deixando-nos conduzir, de certo modo passivamente, pelo determinismo
de nossos estados psíquicos, enquanto que a verdadeira vida humana consiste em
.substituir o "eu" empírico por um "eu" voluntário e
refletido, através do qual a unidade de nossa vida intelectual e moral é refor­çada,
a identidade material de nossa existência submetida a um desenvolvimento
harmonioso, e sua atividade dirigida e regulada de acordo com os princípios
superiores da Moral.

 

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