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Tratamento dos escravos. A guerra servil da Sicília

Calcula-se que no meado do século II a. C. havia na península itálica 5 milhões de homens livres e 12 milhões de escravos, sem falar nos parasitas exóticos que abundavam. Os escravos vinham muito da Ásia Menor e da Síria, e com a conquista da Macedónia foi tal sua abundância que o preço baixou a proporções ínfimas, sendo possível comprar um escravo no mercado por Cr$ 8,00 e até por Cr$> 4,00. Entretanto chegou-se a pagar 20 mil cruzeiros por um artista culinário e 40 mil cruzeiros por um escravo literato de primeira classe, grego naturalmente. A cidade encheu-se de gregos com a sujeição da sua pátria. Eram os escravos de maior cotação e no número havia mestres de retórica, atores, músicos, filósofos.

O trabalho livre e os latifúndios

Os romanos não primavam pela compaixão e a extrema abundância da mercadoria escrava levava os senhores a esgotarem na faina esses trabalhadores, que saía mais barato renovar do que cuidar, sendo entretanto os cativos, não raro, gente da melhor condição. Verdade é que estes eram empregados em misteres finos; propriedades havia porém com 20 000 escravos, ferrados a fogo vivo como o gado e forçados à labuta como animais. O tratamento desumano dos prisioneiros de guerra reduzidos a tal condição foi precisamente o motivo da guerra servil na Sicília, província que se acomodara perfeitamente com o domínio romano, do qual a não tinham podido livrar os engenhos de Arquimedes, morto em Siracusa em 212 a. C. Durou três anos essa guerra (134-132 a. C), sendo destroçados quatro exér-tos mandados contra os revoltosos, que chegaram a somar 200 000, armados ao deus-dará.

O proletariado político e os Gracos

Com o trabalho escravo nunca pôde competir o trabalho livre, e os pequenos proprietários rurais tanto mais duramente sentiam a concorrência dos grandes senhores de terras, capazes de utilizar os domínios que tinham vindo açambarcando a despeito da lei contrária aos latifúndios constituídos por terrenos públicos, pelos quais o ocupador pagava ao Estado o quinto ou o dízimo da produção anual. No começo do século I a. C. as terras da Itália eram a propriedade de umas 2 000 pessoas, cujas manadas e rebanhos dispunham das pastagens, ao passo que os camponeses, despojados dos seus patrimônios pela usura quando não pela fraude, se refugiavam na cidade, aumentando o número dos vagabundos do Fórum e dos jogos.

As leis agrárias

Nem lhes restava outro recurso a não ser o do proletariado político. As indústrias domésticas exercidas pelos escravos vedavam aos demais a competência, deixando parco lugar para certos pequenos ofícios. Os pobres acostumaram-se assim a receber tudo dos ricos como esmola e desta situação humilhante foi que os quiseram tirar os Gracos, campeões do povo posto que nobres. Seu pai fora cônsul e censor, e sua mãe, filha de Cipião, o Africano, era a famosa Cornélia, tipo respeitável da matrona romana dos tempos em que a facilidade dos divórcios não havia ainda desorganizado a família.

A concorrência do trigo estrangeiro e o socialismo de Estado

Tiberio Graco, o mais velho, chegou ao tribunado aos 30 anos, em 133 a. C. A lei agrária que então propôs não era mais do que a aplicação de uma das leis Licínias, que proibia a detenção por um particular de mais de 500 geiras (jugera), mandando entregar o excedente aos que não possuíssem tanto. Destarte se restabelecia a classe dos pequenos cultivadores, mas semelhante distribuição de lotes não só era odiosa aos que consideravam suas as terras pela razão da posse demorada, como não afetava um ponto essencial, que era a concorrência estrangeira.

Para valer ao lavrador latino, mister seria impor taxas sobre a importação do trigo de fora, e esta proteção, encarecendo o produto, não podia ser popular na urbs. Ora, a população urbana dispunha do voto, cabendo-lhe portanto aceitar ou rejeitar a lei. A eloqüência inflamada de Tibério conquistou os votos dos antigos cultivadores que povoavam o Fórum, mas levantou a hostilidade dos grandes proprietários do senado, mesmo porque o tribuno queria ir além, introduzindo o socialismo de Estado com doar à nova lavoura as herdades já com gado e plantações, às custas do erário. Êle preparava também uma lei reduzindo o tempo do serviço militar e outra facultando a apelação para o povo das sentenças dos tribunais, e pensava em reedificar Cartago e Corinto, povoando-as com proletários expedidos de Roma, mercê do que ficaria mais desafogada a subsistência e melhor garantida a ordem na capital da república.

Morte de Tiberio Graco

A instigações do senado, o outro tribuno vetou a lei agrária. Tibério Graco, para salvar a medida, enveredou pela ilegalidade: depôs o colega, inviolável durante o exercício da função, fêz passar a lei e, para se salvar da acusação, apresentou-se de novo candidato ao tribunado, o que era defeso. No dia da eleição um grupo de senadores furiosos entrou no Fórum e trucidou Tibério com 300 dos seus sequazes. A força entrava dos dois lados a primar o direito. Rompera o conflito entre o senado, que governava, e as assembléias populares, que queriam governar.

Caio Graco e sua legislação revolucionária

Caio Graco apresentou-se ao tribunado em 123 a. C. Tinha mais ainda que o irmão feitio para o cargo: era um orador veemente de gestos largos e voz por vezes estridente, e um político apaixonado. Entendeu reformar Roma perpetuando-se no tribunado, para o qual foi declarada legal a reeleição. Fêz confirmar a lei agrária associada com o nome de Tibério e votar outra lei (lex frumentaria) autorizando a venda de trigo dos depósitos públicos aos cidadãos romanos por metade do preço, medida que conduziu à distribuição gratuita, a qual no meado do século I a. C. favorecia mais de 300 000 pessoas e fomentou extraordinariamente o pauperismo.

Sua impopularidade e sua queda

Outra lei sua, criando colônias agrícolas para cidadãos pobres dentro e fora da península — uma emigração por assim dizer subsidiada —, era uma disposição sábia, mas não recebeu a devida aplicação. Caio Graco era um administrador nato: sua atividade era fenomenal. No intuito de moralizar as eleições fêz passar uma lei pela qual as províncias consulares eram designadas antes dos comícios em que se elegessem os cônsules. Vibrou duro golpe no poder do senado entregando a administração da justiça aos cavaleiros (lex judiciaria). Previu a necessidade de estender o direito de sufrágio nas assembléias romanas aos habitantes das colônias latinas, bem como defender a eqüidade da concessão aos aliados italianos dos direitos de matrimônio romano e de propriedade sob a proteção da lei romana — quanto se realizaria 30 anos depois por efeito de uma guerra atroz.

O culto dos Gracos e a corrupção romana

Essa extensão dos direitos de cidadão romano aos povos italianos alheou do tribuno, a quem os inimigos descreviam como um rei ao qual só faltasse a coroa, a plebe egoísta e ciumenta dos seus privilégios. Caio Graco perdeu a eleição, tendo-se contra ele desenvolvido forte intriga enquanto foi a Cartago estabelecer 6 000 colonos romanos. Seu inimigo Opímio, eleito cônsul, fêz programa da anulação da legislação do tribuno, o que pôs Roma em armas. A facção senatorial era a mais forte e Caio, despido da sua inviolabilidade, perdeu a vida com mais de 3 000 dos seus partidários. Destes muitos foram degolados na prisão e diz-se que Caio se fêz matar por um escravo, para não cair vivo nas mãos dos seus inimigos. Para celebrar o restabelecimento da ordem, o cônsul fêz levantar no Fórum um templo à Concórdia.

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