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A luta de classes

Toda a história romana — e é isto que lhe empresta muito do seu interesse — constitui uma luta de classes, luta política, social e econômica, dos plebeus contra os patrícios, a qual só cessa quando o imperialismo guerreiro, concentrando na expansão territorial as energias nacionais, distraiu os espíritos desse conflito capital e os fêz aceitarem sem protesto o despotismo dos ditadores e depois dos imperadores, que davam ao povo panem et circenses (pão e jogos de circo), amparando seu poder com as legiões.

Plebeus, escravos e clientes

Ainda no período real — a tradição atribui tais reformas a Sérvio Túlio — foi o serviço militar, apanágio dos patrícios, por exigências do aumento do efetivo, estendido aos plebeus. _A população foi por tal motivo dividida em cinco classes, baseando-se o censo na propriedade e obrigando-se esta, de acordo com sua valia, a um equipamento bélico mais ou menos completo. Nas três classes primeiras se encontravam os proprietários mais abastados e as duas primeiras classes formavam a cavalaria e o escol da infantaria. Uma sexta e última classe era a dos proletários, dispensada de todo serviço.

Extensão do serviço militar aos plebeus

A fortuna tomava pois o lugar do nascimento e isto pelo mesmo tempo em que Sólon, em Atenas, empreendia reformas orientadas por igual critério. A predominância política da fortuna residia no fato de que as seis classes eram subdivididas em 193 centúrias, cabendo porém 98 às duas primeiras, o que lhes assegurava a maioria. A sexta classe formava apenas uma centúria e os votos eram tomados por centúria. Individualmente podia-se conquistar uma melhor posição, social e política: o censo, feito em cada lustro, arrolava os cidadãos e os distribuía pelas diversas classes. Eram homens livres todos os que se achavam na posse dos direitos públicos e privados cujo conjunto dava a qualidade de cidadão. Os plebeus foram cidadãos, como bem observa um autor, porque foram soldados, não sendo o militar um profissional e sendo todo cidadão soldado.

O censo e fortuna. Os cidadãos romanos

A assembléia do exército congregava-se no Campo de Marte: eram os comitia centuriata, porquanto a organização militar que estabeleceu o serviço militar obrigatório entre os 17 e os 60 anos, recebeu por base a centúria, a saber, a unidade de 100 homens comandada pelo centurião, sendo precisas 42 centúrias para uma legião. A nação armada estava destinada a absorver na sua assembléia o melhor das faculdades dos comitia curiata, sendo mesmo consultada sobre interesses da cidade e convocação para os sacrifícios.

As tribos romanas

As tribos passaram a ser quatro, compostas de proprietários, não mais de fundadores, pois que correspondiam aos distritos, substituindo por sua vez a qualificação de residência a do berço. Aliás novas tribos se foram criando até chegarem a 35, à medida que Roma foi anexando territórios. Admitidos a partilhar dos deveres mais graves e cívicos dos patrícios, não tardaria que os plebeus lhes disputassem todos os direitos e regalias com o vigor que a tais reivindicações podia fornecer o uso das armas.

Rei e plebe

De resto, a expulsão de Tarquinio Soberbo, levada a cabo pelos patrícios, obedeceu muito ao receio de uma mais estreita união entre o rei e a plebe da qual um e outra derivassem vantagens. Tarquinio aspirava, ao que parece, à tirania e sua queda foi curiosamente quase simultânea com a expulsão dos tiranos atenienses, dos quais êle pretendia tentar a imitação. A união dos plebeus com o patriciado só os fez vítimas, porque as guerras movidas pelos Tarqüínios para sua restauração e pelas cidades latinas que ajudavam esta contra-revolução no intuito de abater Roma, acarretaram muitos sofrimentos, tendo os plebeus que combater continuamente, devendo para isto abandonar seus campos e endividar-se para sustentarem suas famílias.

Inícios difíceis da república. Encargos e dívidas dos plebeus

Os inícios da Roma republicana foram assinalados por graves dificuldades. No desassossego que se seguiu à queda da realeza, perdeu-se não pouco do resultado das primeiras conquistas. Não só cidades, latinas como volscas e etruscas quiseram aproveitar-se da ocasião para cortarem as asas à águia que se emplumava, convindo não"’esquecer que os Tarqüínios eram etruscos. A pior ameaça foi contudo a de secessão, deliberando os plebeus separar-se e edificar outra cidade. Não só eles sustentavam gratuitamente o pêso do serviço militar, todo em benefício da classe que governava, como não puderam mais suportar as exações dos ricos, que eram os patrícios e que, tendo-os jungido pela dívida, exerciam sobre a liberdade e até sobre a vida dos devedores poder discricionário, venden do-os como escravos pelo valor do débito e podendo até sacrificar-lhes a existência.

Os cônsules e o ditador

A república colocara à frente do governo, em substituição ao rei, dois magistrados patrícios, eleitos por um ano, que primeiro se denominaram pretores e depois cônsules, passando o nome de preto res para os magistrados incumbidos da distribuição da justiça. Os cônsules andavam, como os reis, precedidos pelos lictores com cs feixes de varas ligadas com uma machadinha, emblemas do seu poder de mandar açoitar e executar. Só podiam ser responsabilizados depois de deixarem o exercício das suas funções. Como cada um dos cônsules tinha o poder de vetar as ordens do outro, no caso de discordância, fazendo portanto obstrução aos atos do seu colega, e daí resultava um sensível enfraquecimento da autoridade em momentos graves e até decisivos como aqueles por que Roma estava passando, estabeleceu-se em 498 a. C. o recurso da ditadura Por este meio todos os poderes eram delegados a um cidadão por um tempo determinado, cabendo-lhe o mando absoluto posto que temporário. O ditador nomeava por seu turno para seu lugar-tenente o magister equitum ou mestre de cavalaria. Nas 98 centúrias das duas primeiras classes da população, 18 eram de cavalaria e 80 de infantaria pesada.

A secessão

Os ditadores venceram as agressões externas e até certo ponte a resistência interna, mas quando se chegou às dificuldades extremos tendo a situação piorado extraordinariamente pela redução ao cativeiro de centenares de devedores dos patrícios, que dispunham exclusivamente das terras incorporadas pelo Estado, não bastou o re curso ao vigor da autoridade. Assustados com a cisão, que já recebera começo de execução, transíerindo-se os plebeus para o Monte Sacro a 6 léguas e meia de Roma, os patrícios esboçaram uma das hábeis transações políticas em que é tão fértil a história da península itálica e da qual proveio verdadeiramente a democracia romana, até então estando em desacordo o regime adotado com a realidade social (493 a. C).

Os tribunos do povo e suas atribuições

Em virtude dessa transação não só as dívidas em questão foram canceladas e os devedores postos em liberdade, como se criou uma magistratura especial incumbida da defesa dos direitos da plebe. Foram os tribunos investidos do jus auxilii — o direito de auxílio, em virtude do qual podiam vetar qualquer resolução do senado prejudicial à sua classe e opor embargo ao proceder de qualquer magistrado patrício que pretendesse lesar um plebeu. Gozavam os tribunos de todas as imunidades, sendo suas pessoas invioláveis: quem quer que os atacasse e embaraçasse no desempenho do seu cargo, ficaria fora da lei. Suas casas permaneciam sempre abertas para refugio dos que carecessem de proteção, e para estarem sempre de prontidão, eles se não podiam afastar da cidade mais do que uma milha.

Os edis

Cercavam-nos os edis (cediles), eleitos dentre os plebeus, igualmente sacrossantos e encarregados de zelar as ruas, os mercados e os arquivos públicos. Os serviços municipais assim fizeram sua aparição.

Os comitia tributa

Os tribunos eram de começo eleitos pelos comitia centuriata, mas em 471 a. C. a lei Publília (as leis traziam nos nomes a data do consulado em que eram promulgadas) decidiu que sua eleição se fizesse pelos comitia tributa, convocados por tribo ou distrito, do que refutava maioria para os plebeus. Estes simultaneamente viram melhorada sua situação econômica, regularizando-se a distribuição das terras conquistadas, constituindo o domínio público (dger publicus) e avolumando pelo constante alargamento do domínio romano.

A questão agrária

Eram essas terras arrendadas aos patrícios que, senhores do poder, defraudavam o tesouro não pagando as rendas e afinal as convertiam em propriedades particulares. Em 485 a. C. a lei Cássia propôs a distribuição pelos plebeus de parte do domínio público e a fiscalização sobre o pagamento das rendas pelos patrícios que, ressentidos, acusaram o cônsul Spúrio Cássio de demagogo e aspirante à realeza, condenando-o a ser precipitado da Rocha Tarpéia, castigo reservado aos traidores. Só em 367 a. C. seria elaborada a lei agrária Licínia, no intuito de impedir a acumulação de propriedade nalgumas mãos, iniciando destarte o socialismo de Estado.

Os decênviros e as leis das Doze Tábuas

Uma justa exigência dos plebeus para melhor se resguardarem da opressão, era que as leis fossem escritas, a fim de ficarem bem conhecidos os delitos e os castigos e não estar sua dupla qualificação ao arbítrio dos juízes, que eram patrícios. Em Atenas tinha-se dado o mesmo conflito de interesses com resultado idêntico ao de Roma, onde a dez magistrados, os decênviros, foram atribuídos por um ano todos os poderes do Estado, ficando suspensas as magistraturas ordinárias, para se entregarem à tarefa de organizar o esboço do código (451 a. C).

 

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