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Os imperadores de caserna. A dignidade imperial em leilão

Seguiram-se a Cômodo os denominados imperadores de caserna (192-284) eleitos pelos pretorianos e por eles mesmos quase todos trucidados. Num só ano (237-238) seis imperadores foram aclamados, reverenciados e mortos por suas tropas, chegando a degradação ao ponto de que, em 193, os pretorianos puseram em almoeda a dignidade imperial, sendo o maior licitante um rico senador, que pagou 48 milhões de cruzeiros a distribuir pela soldadesca à razão de 4 mil cruzeiros por soldado. Frutificara, ao que se vê, o donativum, instituído por Cláudio, no seu contentamento de ver-se aclamado pela guarda pretoriana, quando julgava que ia ser imolado.

 

Sétimo Severo

As legiões das fronteiras, em luta constante com os bárbaros, cuja agitação avultava diariamente, repeliram a ignominiosa transação constituída pelo leilão, e cada exército proclamou imperador o seu chefe. O mais enérgico e o mais pronto a chegar foi Sétimo Severo, comandante das forças do Danúbio, que licenciou e exilou a guarda pretoriana da capital, organizando nova guarda com 50 000 legionários. Sétimo Severo (193-211) pertenceu ao número dos imperadores benfazejos: seu filho Caracala (211-217) começou, porém, por matar o irmão Geta e o jurista Papiniano, o qual se não prestou a justificar esse fratricídio ignóbil. Depois de errar pelas províncias, cujos habitantes livres tornou, todos sem distinção, cidadãos romanos, legalizando assim uma situação de fato, Caracala foi assassinado na Síria.

Caracala

Diz-se que o imperador obedeceu na sua generosa franquia mais que tudo aos interesses da taxação, ampliando de um traço, a um mundo de contribuintes, os impostos que pagavam os cidadãos romanos; a verdade é, contudo, que a orientação política em tal sentido foi contínua desde César, e que Cláudio, num discurso perante o senado, chamara a atenção para a lealdade dos forasteiros incorporados na comunidade romana e para a ruína que a Esparta e a Atenas trouxera o vedarem acesso político aos povos conquistados, recusando irmanar-se com eles. O cidadão romano gozava da incomparável vantagem proporcionada pela proteção das leis romanas: por isso foi Caracala um caso, entre vários, de imperador odioso em Roma e benéfico às suas províncias.

Unidade romana. O comércio e a navegação

Outros elementos que contribuíram, além desse, para a unidade romana, foram a circulação monetária comum, substituindo as locais, e o livre câmbio, pela abolição dos direitos de importação e exportação entre as diferentes seções do império. O comércio sob os romanos alcançou vastas proporções, sendo Roma um empório universal onde, no dizer do Novo Testamento, tudo se podia comprar e vender, até as consciências, estando o Mediterrâneo coalhado de navios grandes bastante para transportarem um obelisco egípcio e que, com vento favorável, chegavam a fazer 10 milhas por hora.

A navegação quase só se fazia no verão, por causa dos temporais, mas o esplêndido sistema de estradas romanas supria as necessidades mercantis. Roma consumia muito, e produzia pouco. A plebe romana, afeiçoada à distribuição anonária, não era industriosa, se bem que se fabricassem lá certos artigos, principalmente de luxo, para uso doméstico. O saldo a favor das províncias era coberto pela tributação.

Extensão da franquia de cidadão a todos os habitantes do império

Antes da extensão da franquia política a todo o império, a afluência de estrangeiros a Roma, a cujos tribunais nem eles, nem os escravos tinham acesso, determinou a criação de uma magistratura especial — o praetor peregrinus. As sentenças dos pretores, encarando casos novos e corrigindo velhas decisões, tinham sido, na aplicação da lei civil e em casos não previstos nas Doze Tábuas, uma das fontes do direito, o que se chamava a lei viva: similarmente o foram as decisões daquele outro magistrado, e bem assim as decisões dos governadores provinciais, com relação ao direito das gentes. Foram-no até em maior escala, porquanto a legislação civil romana constituía um privilégio dos cidadãos de Roma, ao passo que o jus genfium foi, na frase feliz de um tratadista americano, o fruto da combinação da teoria estóica, de uma lei natural e universal para o gênero humano, com os fundamentos comuns às diferentes legislações locais estudadas pelo proefor peregrinus. Esta lei comum a todas as nações formou a base do direito internacional e resultou por isso mesmo mais liberal e mais tolerante.

O praetor peregrinus e o jus gentium

O jus gentium exerceu decidida influência sobre o jus romanum, e a legislação do império foi-se realmente abrandando, ao ponto de proteger o filho contra a tirania paterna e de punir a morte de um escravo, quando antes se citava um ricaço que engordava suas enguias com escravos vivos. O ter chegado a considerar a escravidão contrária ao direito natural, expressão da razão universal formulada pela escola estóica, será uma honra eterna para Roma.

O jus romanum e o direito natural

Séneca escreveu 1 800 anos antes da Revolução Francesa, que a natureza fêz iguais todos os homens. O escravo, em Roma, viu-se até um dia protegido contra os maus tratos, sendo proibido vendê-los para combaterem como gladiadores na arena dos anfiteatros, onde urrava a ralé sanguinária, que era o pior que havia em Roma, juntamente com os aventureiros de toda espécie atraídos pelo lucro.

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