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Infiéis e heréticos. O arianismo

 

A Igreja Romana preferia os infiéis aos heréticos, porque esperava mais facilmente converter aqueles, alheios à fé, do que estes, que eram os díscolos, os perturbadores, tanto mais para recear quanto suas divergências de doutrina tinham sido, na frase de um escritor, bordadas pelo espírito sutil dos gregos. Clóvis ou Clodoveu, pondo-se após sua conversão ao cristianismo (496) ao serviço da ortodoxia romana contra o arianismo dos visigodos e dos burguinhões, teve por isso no seu trabalho de conquista da Gália o apoio dos bispos, que o aclamaram "patrício" e "cônsul", dando-lhes êle em troca igrejas e terras.

Clóvis cônsul

Um historiador enxerga na aceitação desse título de cônsul uma homenagem de fidelidade ao imperador de Constantinopla; mas é mais razoável pensar que da parte do clero houve apenas um intuito lisonjeiro, porque o império era certo que com suas tradições deslumbrava esses bárbaros. Clóvis entendeu organizar sua monarquia independente de toda e qualquer vassalagem, e dos reinos germânicos formados com a invasão, foi este o que vingou sobre bases duradouras. É verdade que a aliança da Igreja cooperou para a grandeza da monarquia franca, ajudando Clóvis a dar à Gália a sua nova organização política. Clóvis, por seu lado, foi como Teodorico tolerante para com a língua e a legislação romanas, e não hesitou em nomear romanos para cargos importantes do governo e do exército.

Os merovíngios. Façanhas de Clóvis

O primeiro chefe franco a salientar-se foi Clodion, que venceu o general romano Aécio e ocupou a Gália setentrional (428). Seu sucessor Merovéu fundou a dinastia dos reis merovíngios e o neto deste, Clóvis, eleito em 481 chefe da tribo dos sólios, consolidou pelas suas vitórias a obra esboçada. Pela vitória de Soissons tomou os territórios ainda romanos de Siagrio, fixando sua residência em Lutécia (Paris); pela de Tolbiac repeliu para além do Reno os alemães, que disputavam a posse da Gália; pela de Dijon forçou ao tributo o rei dos burginhões; pela de Vouillé apenas deixou aos visigodos, aquém dos Pireneus a Septimânia, no litoral mediterrâneo.

Moeda merovíngia. See. V d. C.

 

Sua conversão

Foi antes da batalha de Tolbiac que o rei franco fêz voto de conversão, se o Deus dos cristãos lhe concedesse o triunfo. No dizer de um historiador, a fé foi muitas vezes mais uma questão de tribo ou de nação, do que de convicção pessoal. O "fier Sicambre" deixou-se então batizar com seus guerreiros por uma questão de conveniência política, que já sabemos haver-lhe aproveitado: não se pode dizer que, como em outros casos aconteceu, a conversão o tivesse humanizado, porque Clóvis não vacilou, em benefício da união franca, em mandar, depois de cristão, assassinar vários chefes de tribos, anexando seus territórios e tesouros.

O reino franco e Igreja

 

 

 

 

 

 

 

O clero secular e o regular. Mosteiros e missões

Outras vezes foi a Igreja quem perdeu com o contágio da grosseria bárbara, e a história daqueles tempos já nos oferece o espetáculo de bispos metidos em intrigas e em crimes. O clero regular que se constituiu ao lado desse clero secular foi então o refrigério moral e a melhor defesa do cristianismo, o qual se propagou sobretudo pelos mosteiros e pelas missões que destes saíam. Ao passo que bispos como os da Gália, cujas sedes não tinham sido fundadas pelo papado, dotavam a igreja franca de uma relativa independência que se perpetuou nos melindres da igreja galicana, contra a qual arcou o ultramontanismo, os religiosos formaram a primeira milícia da Igreja Romana.

O ascetismo. Eremitas e cenobitas

O cultivo místico da alma, reunido à segregação do mundo, produzira a feição ascética. Foram freqüentes nos primeiros séculos cristãos os anacoretas, cuja vida de abstinência e de isolamento encontrava sua justificação no Evangelho. São Simeão Estilita viveu 36 anos em cima de uma coluna, alimentado pelos fiéis que lhe traziam de comer e ouviam suas prédicas. O clima do Norte da Europa não favorecia porém esse viver à lei da natureza e os eremitas dentro em pouco se converteram em cenobitas, vivendo em comunidades que receberam sua regulamentação quando entre os frades apareceram os que tinham vocação de legisladores e organizaram a vida e regra monásticas sobre a base do voto tríplice de obediência, de pobreza e de castidade.

A ordem de São Bento.

São Bento (480-543) foi o mais notável desses organizadores: sua ordem teve por berço em 528 o convento italiano do monte Cassino. Os conventos foram naquela época de transição do mundo clássico para o mundo moderno, que se pode chamar a época bárbara e que foi sobretudo escura até Carlos Magno, não só academias de saber como institutos de trabalho e asilos de caridade. Recebendo doações de terras, os monges puseram-se a cultivá-las e o resultado ficou patente aos bárbaros, entre os quais eles iam evangelizar, na transformação das charnecas e dos brejos em trechos aráveis e produtivos.

Os druidas celtas e o Walhalla germânico

Contam-se no seu número os mais ardentes missionários, operando por essa sugestão prática e pela novidade da doutrina para povos, como os germanos, que nem tinham uma casta sacerdotal, como os celtas tinham os seus druidas, estando o exercício do sacerdócio ligado às funções políticas, e celebrando os guerreiros diretamente seus heróis e seus deuses, que eram uns heróis sobrenaturais tão barulhentos e violentos como os humanos. Na sua residência celestial, o Walhalla, Odin ou Wotan, o Júpiter dessa mitologia, recebia os que caíam no campo de batalha, proporcionando-lhes uma existência deliciosa de combates e de banquetes, em que os serviam as formosas Valquírias ou virgens guerreiras.

São Bonifácio, apóstolo dos frísios e da Germânia do Sul

São Bonifácio, que era saxão da Inglaterra, foi o grande missionário da Germânia. Começou seu apostolado na Frísia, mas chamado ao arcebispado de Mogúncia — verdadeiramente in partibus in-íidelium — no intuito de converter o país, abriu sua campanha espiritual na Turíngia e em Hesse, fundando conventos, entre outros a célebre abadia de Fulda. As missões foram seguindo ao longo do Danúbio, onde outrora estacionavam de guarda as legiões imperiais, e com os conventos e bispados que iam deixando, se efetuou a reconquista romana. São Bonifácio converteu propriamente a Alemanha meridional ao sul do Meno, entre Mogúncia e Salzburgo. Quando velho, quis voltar para o meio dos frísios, que o martirizaram em 755, data em que a Igreja Romana já reconstituíra em seu proveito o império do Ocidente que Carlos Magno ia assumir como uma espécie de protetor.

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